sexta-feira, 30 de abril de 2010

LIÇÃO QUOTIDIANA - Alberto de Oliveira


Cada manhã ressuscito
Do sono, esse irmão da Morte,
Que é minha estrela do norte,
Meu professor de infinito.

Hora por hora medito
Sua lição clara e forte;
Mas nem assim minha sorte
Encaro menos aflito.

E, se acordo com o dia,
Cheio de fé e alegria,
Julgando-me imorredoiro,

À noite estou moribundo...
E em meu vazio tesoiro
Vejo o meu fim, e o do mundo!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

SEIS MESES

Se foram seis meses e,
como continua difícil!!!
Eu mudei muito.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

TERCETOS - Olavo Bilac




Noite ainda, quando ela me pedia
Entre dois beijos que me fosse embora,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

Espera ao menos que desponte a aurora!
Tua alcova é cheirosa como um ninho...
E olha que escuridão há lá por fora!

Como queres que eu vá, triste e sozinho,
Casando a treva e o frio de meu peito
Ao frio e à treva que há pelo caminho?!

Ouves? é o vento! é um temporal desfeito!
Não me arrojes à chuva e à tempestade!
Não me exiles do vale do teu leito!

Morrerei de aflição e de saudade..
Espera! até que o dia resplandeça,
Aquece-me com a tua mocidade!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava.
Espera um pouco! deixa que amanheça

E ela abria-me os braços. E eu ficava.



E, já manhã, quando ela me pedia
Que de seu claro corpo me afastasse,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

Não pode ser! não vês que o dia nasce?
A aurora, em fogo e sangue, as nuvens corta...
Que diria de ti quem me encontrasse?

Ah! nem me digas que isso pouco importa!...
Que pensariam, vendo-me, apressado,
Tão cedo assim, saindo a tua porta,

Vendo-me exausto, pálido, cansado,
E todo pelo aroma de teu beijo
Escandalosamente perfumado?

O amor, querida, não exclui o pejo...
Espera! até que o sol desapareça,
Beija-me a boca! mata-me o desejo!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava!
Espera um pouco! deixa que anoiteça!”

E ela abria-me os braços. E eu ficava.

terça-feira, 20 de abril de 2010

PRIMAVERA - Olavo Bilac


Ah! quem nos dera que isso, como outrora,

inda nos comovesse! Ah! quem nos dera

que inda juntos pudessemos agora

ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os passaros e a aurora,

e, no chão, sobre os troncos cheios de hera,

sentavas-te sorrindo, de hora em hora:

"Beijemo-nos! amemo-nos! espera!"

E esse corpo de rosa recendia,

e aos meus beijos de fogo palpitava,

alquebrado de amor e de cansaco....

A alma da terra gorjeava e ria...

Nascia a primavera...E eu te levava,

primavera de carne, pelo braço!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

PARA DESCONTRAIR - Por que Eva comeu a maçã?

Não foi assim facinho não!!!

No início, Eva não queria comer a fruta.


- Come - disse a serpente astuta! - e serás como os anjos!

- Não - respondeu Eva. Virando a cara para o lado!

- Terás o conhecimento do Bem e do Mal - insistiu a víbora.

- Cruzou os braços, olhou bem na cara da serpente e respondeu firme: Não!

- Serás imortal.

- Não! Já disse!

- Serás como Deus!

- NÃO, e NÃO! Já disse que NÃO!

Irritadíssima, quase enfiando a fruta goela abaixo, a serpente já estava desesperada e não 
sabia mais o que fazer para que aquela mulher, de princípios tão rígidos e personalidade tão forte comesse a fruta. Até que teve uma idéia, já que nenhum dos argumentos haviam funcionado...
Ofereceu novamente a fruta e disse com um sorrisinho maroto:

- Come, boba!!!  EMAGRECE!!!!


Foi tiro e queda!!!

ORAÇÃO DO CABOCLO - Texto Fátima Irene Pinto

Ói Deus,
Nóis tá sempre pedindo as coisas pro Sinhô.
Nóis pede dinhero,
Nóis pede trabaio
Nóis pede pra chovê
E se chove demais
Nóis pede pra pará
Mode a coiêta num afetá.

Nóis pede amô,
Nóis pede pra casá
Pede casa pra morá
Nóis pede saúde
Nóis pede proteção
Nóis pede paiz,
Nóis pede pra dislindá os nó
Quando as coisa cumprica
Mode a vida corrê mió.

Quano a coisa aperta nóis reza
Pedindo tudo que farta
É uma pedição sem fim
E quano as coisa dá certo,
Nóis vai na igreja mais perto
E no pé de argum santo
Que seja de devoção
Nóis deixa sempre uns merréis
E lá no cofre da frente
Nóis coloca mais uns tostão.

Mais hoje Meu Sinhô
Bateu uma coisa isquisita
E eu me puis a matutá
Nóis pede, pede e pede
Mais nóis nunca pregunta
Comé que o Sinhô tá
Se tá triste ou tá contente
Se percisa darguma coisa
Que a gente possa ajudá
E por esse esquecimentp
O sinhô tem que nos adiscurpá.

Ói Deus, nóis sempre pensa
Que o Sinhô num percisa de nada
Mas tarvez num seja assim
Tarvez o Sinhô percisa de mim
Sim, o Sinhô percisa, sim
Percisa da minha bondade
Percisa da minha alegria
Percisa da minha caridade
No trato c’os meus irmão.

Nóis semo seu espêio
Nóis semo a Sua Criação
Nóis num pode fazê feio
Nem ficá fazendo rodeio
Nem desapontá o Sinhô
Nem amargá o seu sonho
Que foi um sonho de amô
Quando essa terra todinha criô.

Ói Deus, eu prometo
Vo rezá de ôtro jeito
Vo pará com a pedição
E trocá milagre por tostão
Tarvez eu inté peça uma graça
Mas antes vo vê direitinho
O que é que andei fazendo de bão.
E se nada de bão eu encontrá
Muito vo me envergonhá
E ainda vo pedi perdão.

domingo, 18 de abril de 2010

MULHERES ENLUARADAS - Déa Januzzi

Três leitoras e três realidades diferentes de se relacionar com o outro. A primeira, de 45 anos, envia-me e-mail para dizer que está cansada de viver sozinha, sem um companheiro, que, apesar de desejar ardentemente um amor, está cada dia mais só. O máximo que encontra são parceiros para uma noite de sexo, e adeus! Nada no dia seguinte, nada de companhia, de compartilhar uma vida a dois, alguém para ir ao cinema, a um restaurante, para ficar em casa sem fazer nada, mas com a certeza de que estão na mesma sintonia.

A leitora confessa que se cuida, gosta de andar perfumada, é sensível, trabalha e os dois filhos dela já encontraram o próprio caminho e alçaram voo. Ela sente falta do afeto de todo dia. Nem a companhia da cadela bichon frisé consegue espantar a solidão que entrou para dentro de sua casa e não quer sair mais. Por mais que ela se dedique ao trabalho, por mais que malhe, porque ela parou de fumar e não quer engordar, por mais que se apronte, por mais que trate dos dentes, do cabelo e do corpo, continua só, numa cidade como Belo Horizonte, onde mulheres livres, independentes e fortes não encontram um parceiro à altura.

A outra, de 59, envia e-mail para dizer que está apaixonada, que numa viagem a São Paulo encontrou alguém que está preenchendo sua vida por inteiro, que virou menina outra vez por causa desse novo encontro. Mesmo beirando os 60 anos, a leitora está parecendo uma adolescente. Vira e mexe, ela pensa na pessoa e estranha o sentimento renovado a essa altura da vida. E garante que a felicidade só existe quando é compartilhada, que percebeu como a vida é sem graça fazendo tudo sozinha. E conta também que recebe telefonemas pela manhã dizendo: “Acordei pensando em você!”.

A terceira leitora, de 35, ficou muito tempo sem uma relação duradoura, até que encontrou alguém que, de repente, devagar, sem avisar, foi entrando dentro do seu coração para ficar, mas que teve que abrir mão, porque ele foi para o exterior completar os estudos.

Ela está fazendo um diário para ele, conversa pela internet, os dois enviam textos e fotos um para o outro. E já em outro país, ele escreve para ela. “Olhando agora a perfeição da minha mala, posso afirmar que além do excesso de bagagem, tem um monte de você embarcando comigo. Como seria capaz de percorrer textos em idiomas estranhos, trabalhos sem fim em obras inacabadas e barulhentas, se não fosse pela certeza do sempre ali seu, para atender telefones e aguentar minhas agruras. Arrancar você da minha vida é como tirar o melhor de mim. É como arrancar o céu e as nuvens e deixar tudo ao vácuo”, ela lê enquanto chora profundamente a distância desse amor.

Três realidades diferentes, três mulheres que abriram ou querem abrir as portas para o amor. Conheço mulheres também que estão fechadas para outras pessoas. Como se a linha do telefone estivesse sempre ocupada, sem oportunidade para uma segunda chamada, porque ao longo da vida encontraram homens que só conseguem acordar o demônio que vive dentro delas e que dão nocaute nos anjos.

Essas mulheres preferem estar sós, porque foram vítimas dos desencontros do amor. Nem que o príncipe encantado bata na porta, elas abrem e ainda avisam. “Volte amanhã, porque hoje não dá.” Elas preferem tomar vinho sozinhas, investir em si mesmas, pois não consideram o homem como um capital. O melhor está nelas mesmas. E vivem bem, depois dos naufrágios e tempestades da paixão. Vivem em paz.

Conheço mulheres lindas que são a própria encarnação do sagrado feminino e que continuam sós. Conheço mulheres doces, mas fortes, mulheres que ardem, mas também estão sós e que se permitem permanecer sós. Por essas mulheres até o mundo se rende, principalmente para aquelas que mexem o caldeirão em busca da alquimia da vida. Por mulheres que escrevem, pintam, bordam, cozinham, trabalham, criam filhos sozinhas, compartilham da vida com outras amigas e com projetos comunitários. Por mulheres que têm luz própria e vestem saias enluaradas, que dançam ao som da música cigana e que têm os cabelos cor da terra, que embalam no colo a solidão do mundo. Por essas mulheres que vivem sós, mas gostam do pôr do sol, do barulho do mar nas conchas, que usam sapatos de salto no trabalho, mas vivem descalças em casa, desnudas e que sabem fazer um strip tease da alma, mas que continuam invisíveis aos olhos terrenos.

Fonte: Estado de Minas 18/04/2010

sábado, 17 de abril de 2010

HISTÓRIA ANTIGA - Raul de Leoni

No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube por que foi... um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era... Não sabia...


Desde então, transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para frente...


Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,


E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...

Al Pacino - Scent of a Woman - LINDO!!!

sexta-feira, 16 de abril de 2010

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A QUE EU AMEI - Adelmar Tavares


Ela era branca, loira e fina...
Uns gestos moles de cansaço,
Como quem sonha a paz divina,
E ensaia o vôo para o Espaço...

Ingênua, como uma menina,
quando a levava pelo braço
era tão diáfana, e franzina,
que eu nem sequer lhe ouvia o passo.

Um dia a vi adormecida;
muito mais leve que na vida
havia sido - o meu amor...
Pois que da Terra se partira.
tal como o incenso, - de uma pira,
como o perfume,- de uma flor

terça-feira, 13 de abril de 2010

MORTE E VIDA SEVERINA (trecho) - João Cabral de Melo Neto

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,

a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

domingo, 11 de abril de 2010

RESPONSABILIDADE INFINITA




Como é difícil a Arte de ser adulto!!!

sábado, 10 de abril de 2010

BONECA DE CROCHÊ - Só para rir um pouquinho


Ando tão tristonha, então recebí esta piadinha pelo e-mail e resolvi postar.

Que os maridos me perdoem...





Um homem e uma mulher estavam casados por mais de 60 anos. Eles tinham compartilhado tudo um com o outro.
Eles tinham conversado sobre tudo.
Eles não tinham segredo entre eles afora uma caixa de sapato que a mulher guardava em cima de um armário e tinha avisado ao marido que nunca abrisse aquela caixa e nem perguntasse o que havia nela.
Assim por todos aqueles anos ele nunca nem pensou sobre o que estaria naquela caixa de sapato.
Mas um dia a velhinha ficou muito doente e o médico falou que ela não sobreviveria.
Visto isso o velhinho tirou  a caixa de cima do armário e a levou pra perto da cama da mulher. Ela concordou que era a hora dele saber o que havia naquela caixa. Quando ele abriu a tal caixa, viu 2 bonecas de crochê e um pacote de dinheiro que totalizava 95 mil dólares.

Ele perguntou a ela o que aquilo significava, ela explicou:
 -  Quando nós nos casamos minha avó me disse que o segredo de um casamento feliz é nunca argumentar/brigar por nada. E se alguma vez eu ficasse com raiva de você que eu ficasse quieta e fizesse uma boneca de crochê.
O velhinho ficou tão emocionado que teve que conter as lágrimas enquanto pensava 'Somente 2 bonecas preciosas estavam na caixa. Ela ficou com raiva de mim somente 2 vezes por todos esses anos de vida e amor.'
-  Querida!!! - ele falou - Você me explicou sobre as bonecas, mas e esse dinheiro todo de onde veio?
- Ah!!! - ela disse - Esse é o dinheiro que eu fiz com a venda das bonecas. 


 
PRECE
Senhor, dai-me sabedoria para entender meu marido,
amor para perdoá-lo e paciência para aturá-lo, Senhor, porque se eu pedir força, eu bato nele até matar. 
Eu não sei fazer crochê, Amém.



terça-feira, 6 de abril de 2010

MEDO DO MEDO - Lya Luft

Tenho observado alguns esforços psicopedagógicos no sentido de tornar nossas crianças politicamente corretas - postura que muitas vezes nos transforma em seres tediosos, sem graça nem fervor. Contos de fadas, por exemplo, alimento da minha alma de criança, raiz de quase toda a minha obra adulta, sobretudo romances e contos, foram originalmente - dizem estudiosos -narrativas populares, orais, de povos muito antigos. Assim eles representavam e tentavam controlar seus medos e dúvidas, carentes das quase excessivas informações científicas de que hoje dispomos. Nascimento e morte, sexo, sol e lua, raios e trovões, o brotar das colheitas lhes pareciam misteriosos, portanto fascinantes.
Muito mais recentemente, escritores como Andersen e os irmãos Grimm adaptaram tais relatos ao mundo infantil e criaram suas maravilhosas histórias, que unem, como a vida real, o belo e o sinistro. Uma sereia quer pernas para namorar seu príncipe na praia, mas o sacrifício é terrível, a cada passo de suas novas pernas, dores inimagináveis a dilaceram. Uma princesa, sua família, séquito e criados do castelo dormem um sono profundo, maldição de uma fada má, e só serão libertados pelo príncipe salvador - que, é claro, sempre aparece. Branca de Neve, Rapunzel e dezenas de outros personagens alimentaram nossa fantasia e continuam a alimentar a das crianças que têm sorte, cujos pais e escolas lhes proporcionam contato cotidiano com esses livros.
Porém, faz algum tempo, há um movimento para reformular tais relatos, tirando-lhes sua essência, isto é, o misterioso e até o assustador. Lobos seriam bobalhões e vovozinhas umas pândegas, só existiriam fadas boas, e as bruxas, ah, essas passam a ser velhotas azaradas. Até cantigas de roda seculares tendem a ser distorcidas, pois atirar um pau num gato é uma crueldade, como se fosse preciso explicar isso para as crianças saberem que animais a gente ama e cuida - se é assim que se faz em casa.
Vejo em tudo isso um engano e um atraso. Impedindo nossas crianças do natural contato com essas antiquíssimas histórias, que retratam as possibilidades boas e negativas do mundo, nós as deixamos despreparadas para a vida, cujos perigos entram hoje em seus quartos, rondam escolas e clubes, esperam na esquina com um revólver na mão de um drogado, ou de um psicopata lúcido e frio, sem falar nos insidiosos pedófilos na internet.
Estamos emburrecendo nossas crianças e jovens, mesmo querendo seu bem? E, afinal, o que será o seu bem? Ignorar o que existe de sombrio e mau, caminhar feito João e Maria alegrinhos, não abandonados pelos pais, mas procurando borboletas no mato? Receio que a gente esteja cometendo um triste engano, deformando histórias e até cantigas que fazem parte do nosso imaginário mais básico com arquétipos humanos essenciais.
Em compensação, adolescentes e crianças procuram o encanto do misterioso lendo sobre vampiros, bruxos e avatares, vendo seus filmes e pesquisando na internet. Por que isso? - me perguntou recentemente um pai. Porque, neste momento de altíssima tecnologia, a alma humana busca a expectativa, o segredo e o susto. Precisa conhecer o mal para se acautelar e se proteger, o belo e o bom para crescer com esperança. Mas nós, pedagogos e pais, nem sempre seguros e informados, começamos a querer alisar excessivamente a estrada para eles, não lhes ensinando que o mal existe, assim como o bem, que o belo nos atrai, assim como o monstruoso, e que é preciso desenvolver discernimento (gosto dessa palavra), isto é, a capacidade de entender e distinguir o melhor do pior, a fim de fazer com mais clareza e segurança as inevitáveis escolhas.
Mas se, porque isso nos tranquiliza, tratamos as crianças como imbecis, e queremos nosso adolescente infantilizado por um longo tempo, exigindo-o cada vez menos em casa, na escola e nas universidades - embora deixando que se sexualize de forma precoce e criminosa -, vai ser difícil que tenham informação, capacidade de julgar e escolher, que seriam nosso maior e melhor legado para elas.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

POSSO ERRAR? - Leila Ferreira


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Há pouco tempo fui obrigada a lavar meus cabelos com o xampu “errado”. Foi  num hotel, onde cheguei pouco antes de fazer uma palestra e, depois de ver
que tinha deixado meu xampu em casa, descobri que não havia farmácia nem shopping num raio de 10 quilômetros. A única opção era usar o dois-em-um
(xampu com efeito condicionador) do kit do hotel. Opção? Maneira de dizer.
Meus cabelos, superoleosos, grudam só de ouvir a palavra “condicionador”.
Mas fui em frente. Apliquei o produto cautelosamente, enxaguei, fiz a  escova de praxe e... surpresa! Os cabelos ficaram soltos e brilhantes — tudo aquilo que meus nove vidros de xampu “certo” que deixei em casa costumam prometer para nem sempre cumprir. Foi aí que me dei conta do quanto a gente se esforça para fazer a coisa certa, comprar o produto certo, usar a roupa certa, dizer a coisa certa — e a pergunta que não quer calar é: certa pra quem? Ou: certa por quê?

O homem certo, por exemplo: existe ficção maior do que essa? Minha amiga
se casou com um exemplar da espécie depois de namorá-lo sete anos. Levou
um mês para descobrir que estava com o marido errado. Ele foi “certo” até
colocar a aliança. O que faz surgir outra pergunta: certo até quando?
Porque o certo de hoje pode se transformar no equívoco monumental de
amanhã. Ou o contrário: existem homens que chegam com aquele jeito de
“nada a ver”, vão ficando e, quando você se assusta, está casada — e feliz
— com um deles.

E as roupas? Quantos sábados você já passou num shopping procurando o
vestido certo e os sapatos certos para aquele casamento chiquérrimo e, na
hora de sair para a festa, você se olha no espelho e tem a sensação de que
está tudo errado? As vendedoras juraram que era a escolha perfeita, mas
talvez você se sentisse melhor com uma dose menor de perfeição. Eu mesma
já fui para várias festas me sentindo fantasiada. Estava com a roupa “certa”, mas o que eu queria mesmo era ter ficado mais parecida comigo mesma, nem que fosse para “errar”.

Outro dia fui dar uma bronca numa amiga que insiste em fumar, apesar dos
problemas de saúde, e ela me respondeu: “Eu sei que está errado, mas a gente tem que fazer alguma coisa errada na vida, senão fica tudo muito sem
graça. O que eu queria mesmo era trair meu marido, mas isso eu não tenho
coragem. Então eu fumo”. Sem entrar no mérito da questão — da traição ou
do cigarro —, concordo que viver é, eventualmente, poder escorregar ou sair do tom. O mundo está cheio de regras, que vão desde nosso guarda-roupa, passando por cosméticos e dietas, até o que vamos dizer na entrevista de emprego, o vinho que devemos pedir no restaurante, o desempenho sexual que nos torna parceiros interessantes, o restaurante que está na moda, o celular que dá status, a idade que devemos aparentar.
Obedecer, ou acertar, sempre é fazer um pacto com o óbvio, renunciar ao inesperado.

O filósofo Mario Sergio Cortella conta que muitas pessoas se surpreendem
quando constatam que ele não sabe dirigir e tem sempre alguém que pergunta: "Como assim?! Você não dirige?!”. Com toda a calma, ele responde: “Não, eu não dirijo. Também não boto ovo, não fabrico rádios — tem um punhado de coisas que eu não faço”. Não temos que fazer tudo que esperam que a gente faça nem acertar sempre no que fazemos. Como diz Sofia, agente de viagens que adora questionar regras: “Não sou obrigada a gostar de comida japonesa, nem a ter manequim 38 e, muito menos, a achar normal uma vida sem carboidratos”. O certo ou o “certo” pode até ser bom.
Mas às vezes merecemos aposentar régua e compasso.


Leila Ferreira é jornalista, apresentadora de TV e autora do livro
Mulheres – Por que será que elas..., da Editora Globo.

domingo, 4 de abril de 2010

A RESSURREIÇÃO DE CADA UM - Déa Januzzi

Neste domingo, gostaria de ressuscitar coisas esquecidas no baú da desesperança. Como a minha amiga Carol, vou cantar uma música de surgir, dessas que começam baixinho, vão aumentando o som até explodir e tomar conta de todo o ambiente. Ninguém mais depois dessa música consegue ficar sem dançar até subir aos céus. Gostaria de ressuscitar o sagrado feminino que a Igreja abortou. E dar lugar a Maria Madalena, seja na Santa Ceia, nos ombros de Cristo ou na vida de todas as mulheres excluídas.

Quero repetir como o pensador Leon Tolstói que o reino de Deus está dentro de nós, com todas as bênçãos e bem-aventuranças, que não dá para ficar procurando a esperança dentro de templos. A esperança anda de mãos dadas com cada um de nós. Assim como o entusiasmo e a paixão de viver não estão expostos, mas ficam guardados no altar interno da gente. É o impulso que faz a gente acordar ou levantar a cada manhã.

A Igreja dos sonhos da gente é ecumênica, sem dogmas, mas tem um jeito de paraíso eterno e se parece com um ninho que acolhe a todos e espanta as tristezas e amarguras da gente. Neste domingo, gostaria de pedir ajuda às cozinheiras com mãos de fada para que confeccionem um bolo especial, confeitado com estrelas, para matar as frustrações da infância que deixaram Cybelle com a boca cheia d’água e o olho comprido para as mesas de aniversário de amigos. Ela tem loucura por bolos e, nesta Páscoa, precisa ganhar um especial com novas e ousadas emoções.

Neste domingo, vou ressuscitar a mais-valia de Janaína, a professora de dança cigana que tem a escola Carruagem do Vento. Janaína vai expurgar os amores impossíveis e ressuscitar o homem dos seus sonhos, que tem de se parecer com ela, que tem fé e dá rodopios com a saia e desperta o lado cigano da gente. Com Helena Lopes vou tomar um vinho e degustar o bacalhau que ela não conseguiu trazer de Portugal e passar pela alfândega. Helena será convidada para a ceia da ressurreição.

Vou convidar ainda dona Lourdes, que mora no Bairro Colégio Batista, para renascer, mesmo que o filho Toninho tenha partido e a deixado tão desolada. Nesta Páscoa, dona Lourdes, deixe a tristeza de lado e vamos voar até Vitória e sussurrar aos ouvidos de Herbert, seu outro filho, a doce música da amizade eterna.

Neste domingo, darei para Luiza os ovos da gratidão, para que ela possa entender o sentimento da Páscoa por todo o ano. Vou fazer como Luiza, que outro dia avisou à mãe que ia fazer uma viagem muito longa para o céu, para ver como estava tudo por lá com o tio e os bisavós que já se foram. Vou dar à Luiza uma Páscoa com gosto de chocolate e de alegria. Páscoa tem jeito de criança, tem cara de Luiza, tem jeito de brincadeira séria porque ressuscita o que há de melhor dentro da gente.

Neste domingo, vou mandar um recado para Ana Carolina, minha sobrinha, que carrega dentro de si a luz do amanhã, o futuro que já aparece no ultrassom com jeito de menina. A Páscoa se parece com a gestação, pois consegue ressuscitar os sonhos de Rosina, mãe de Ana Carolina, que estavam adormecidos dentro dela havia algum tempo. Nesta Páscoa, vou falar para Rosina que daqui a alguns meses a alegria estará sentada à sua mesa outra vez.

Vou brindar com Mesquita, que também não faz discursos vazios, mas carrega dentro de si a centelha divina, que chega até o coração amargurado dos jovens excluídos. Nesta Páscoa, vou dizer a Alysson para alçar voo seguro até Barcelona, que os anjos da terra e do céu vão segurar as asas do avião nos próprios braços.

Neste domingo, vou substituir palavras que ferem por outras que consolam, que abrigam e que protegem. Vou despregar da cruz o martírio de todo dia e levantar a tampa do sepulcro dos humilhados e ofendidos, dos que padecem da dor. Vou dar um ovo de Páscoa enorme para a minha leitora Edmea Moreira Machado, que sempre me escreve sobre as sombras que desceram sobre sua vida, depois da morte da filha, aos 30 anos, em um trágico acidente. Vou decretar que, a partir desta Páscoa, os filhos não podem morrer antes das mães e que, neste domingo, elas possam ressurgir das cinzas


Fonte: Estado de Minas 04/04/2010

sábado, 3 de abril de 2010

NEM TUDO É FÁCIL - Cecília Meireles

É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste.

É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada.

É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre.

É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia.

É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua.

É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo.

É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar.

É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo.

Se você errou, peça desculpas...

É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado?

Se alguém errou com você, perdoa-o...

É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender?

Se você sente algo, diga...

É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar
alguém que queira escutar?

Se alguém reclama de você, ouça...

É difícil ouvir certas coisas? Mas quem disse que é fácil ouvir você?

Se alguém te ama, ame-o...

É difícil entregar-se? Mas quem disse que é fácil ser feliz?

Nem tudo é fácil na vida...Mas, com certeza, nada é impossível

Precisamos acreditar, ter fé e lutar para que não apenas sonhemos, mas também tornemos todos esses desejos, realidade!!!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

IMPROVISOS E IMPROVISAÇÕES - Marli Gonçalves




Um cabo de vassoura com a ponta bem enrolada com durex duplo ou aquela fita crepe, bem grudento. Não pode abaixar? Veja como ajuda. Quem não tem cão, caça com gato. Tem horas que precisamos de toda a nossa criatividade para inventar e nos virarmos. O improviso varia de acordo com a necessidade. Ou com a preguiça. Temos de ter desprendimento para improvisar.

A dica do pau grudento foi da enfermeira, já que não posso me abaixar (nem me rebaixar) pelo menos nos próximos dois meses. E tudo cai da mão quando não pode cair. Achei genial e pensei quantas coisas nós "armengamos" todos os dias. Por preguiça, ou até por praticidade. Nossa capacidade de inventar arranjos e soluções, mesmo que temporárias, é algo que deveria ser mais bem explorado. Poderia até virar uma tese. A dúvida é qual título seria: "Nós, os Professores Pardais", "Nós, Os Patetas", ou "O Nosso Lado Doido em Situações Saia Justa".

Não, nem vem. Não é feliz quem ainda não lambeu a faca, ou usou a colher grande na xicarazinha; ou a ponta da faca. Ou comeu com colher, de preguiça de procurar o garfo. Não é feliz quem nunca raspou o tacho, ou comeu na embalagem mesmo.

Quem nunca comeu pizza fria? Amarrou o cabo da panela? Tirou uma pilha de um lugar para passar para outro ou tentou botar uma pilha nova só? Quem nunca pôs roupa para secar atrás da geladeira, ou tomou mesmo aquele café frio de ontem? Hummm, que preguiça, ter de acender o fósforo, abrir o gás e ficar vigiando para não ferver.

Quem nunca disfarçou um dia inteiro a sola de sapato furada ou ficou com o bracinho reprimido para não mostrar aquele furinho embaixo do sovaco? Já amarrou o botão da blusa que estava louco para cair? Claro, você já fez barra do jeans ou outros modelos com grampeador (ou cola, ou fita dupla, ou ainda deu aquela dobradinha). Não?


Quem nunca usou um guarda chuva despencando, porque qualquer coisa ele ficaria lá pela rua? Mas há anos ele te acompanha quebradinho, desbeiçado e quebra o maior galho.

Na maioria das vezes não é uma questão de economia, falta de dinheiro ou avareza. Às vezes é paixão, um amor inexplicável por alguma coisa. Você é capaz de matar por aquele negocinho. Alguns objetos, sapatos, camisetas, têm esse dom de te conquistar o resto da vida, ganhar mais amor do que seus irmãozinhos de armário, acompanhar toda sua vida.

Tenho um grande amigo, amizade de mais de 30 anos, a ponto de chamá-lo "meu irmão loiro". Ele tem uma faquinha vermelha, daquelas com cabo de plástico e serra quase gasta de tanto limar, de tantos anos de vida. Quer mexer com ele, é só pegar a danada da faca sem autorização. Um dia, ao hospedar um amigo, pânico! A faquinha tinha sumido. Quando ele a descobriu suja, usada sem autorização, jogada debaixo da cama, o hóspede não teve outro jeito: teve de se mudar. E rapidinho. Objetos assim são como filhos. Há de se compreender. Não há faca de ouro ou prata que possa substituir esse afeto. Todo mundo tem a sua xícara quebrada, cueca ou calcinha velha, enfeite kitsch, seu absurdinho pessoal.

Agora quem usa dois lados de uma folha para imprimir é politicamente correto e há lei dizendo que não se pode mais fazer xixi na rua. Já fez xixi na estrada? Faz e me conta depois se tem coisa melhor. Quem nunca deixou no chão aquele cocô mole do cachorro, porque não dava mesmo para limpar? Sorry! Assobia e vai indo, saindo de fininho... Louco para ninguém ter visto e a chuva lavar logo. Afinal, não é maldade. É necessidade que só quem tem cachorro desarranjado sabe perdoar.

Há esta variação dos improvisos: há os feitos por necessidade, os meramente econômicos e os de nossos vícios e pecados, como o da gula e o da preguiça. Quem nunca se secou com a toalha de rosto? Testou até onde ia o limite do tanque do carro, para só amanhã passar no posto? Quem nunca comeu o resto do prato de alguém, pendurou a roupa em cabide de tintureiro, não usou aquele óleo mesmo, para não desperdiçar, ou lavou a cabeça com sabão?

Soltou um pum e fez cara de nuvem. Roubou internet sem fio. Tirou o jornal da porta de alguém, nem que seja só para dar uma espiadinha? Lambeu o dedo na falta de uma torneira. Acendeu bituca, quando não tinha outro jeito? Usou elástico de dinheiro no cabelo ou grampo sem cabeça? Limpou a unha com clipes aberto? Ou lixou a unha na parede? Não disfarçou, por debaixo da mesa, e abriu o zíper da calça ou o botão para ficar mais confortável? Soltou o sapato do pé para relaxar os dedinhos? Juntou lixinho no saquinho do supermercado? "Esqueceu" de devolver alguma coisa, tipo livro, CDs e outros?

Quem nunca limpou com outra coisa? Quem nunca amarrou a torneira? Nunca pôs Bombril na antena, sumiu com o chiclete por debaixo da mesa ou no arremesso livre à distância? Virou o lado sujo para dentro? Lambeu o prato? Entornou aquele restinho do caldinho do prato mesmo?

Acusado, 1, 2,3! Que atire a primeira pedra.

Sou de fazer arranjos, usar as coisas com outras aplicações (tipo saia que vira blusa, vestido que vira blusa, o lado de trás, para frente. Arrematar com broche, prender com o cinto ou, por dentro, com alfinete). Adoro inventar moda. Aumentar a utilidade das coisas. Por isso tenho curtido muito as dicas para sobreviver nessa convalescença. Já roubei a mãozinha de coçar as costas do meu pai. O gato adora um carinho com aquilo.

Cadeira de banho? Que tal levar a cadeira de praia para o chuveiro? Lavar a cara meia Kendall de compressão e por para secar ao vento enquanto toma banho, igual a uma biruta de aeroporto. É pá e pum. (Dicas do médico, Dr. Edmilson Takata, que é bárbaro e, o que é melhor, vive nesse mundo, sabe das dificuldades fora do hospital e do preço das coisas). E as almofadas, para que servem, quando você só pode sentar em coisas altas? Aliás, meio sacanagem, mas também vou passar os próximos dias só sentando em coisas altas e duras, com as pernas (semi) abertas, tomando muito Ferro, para a anemia. Com as pernas para cima e sem calcinha, para não apertar. Mas, de resto, nem pensar. Recesso total. Tem ângulos que foram totalmente proibidos para mim. Mas só por uns tempos.

Estou é amarrando cachorro com linguiça, como diz o povo.

São Paulo, enfurnada, ovinhos de Páscoa e torcida para ter paciência.

 

Marli Gonçalves é jornalista. Tirou uma maçaneta da perna. Botou um ossinho de cerâmica alemã, que já adotou de forma apaixonada. Acha que vai até dar nome. Pedrita, Bolinha, Cyborg, Wolverine, Prince, Totó... 


quinta-feira, 1 de abril de 2010

FABULAR - Pedro Du Bois


No final resta a história mal contada

e a moral recusada:

amadureço as uvas

as colho

e as uso como instrumento

cortante da verdade



(recolho a raposa à cela

irrecuperável da palavra:

a fera cala

e ordena

em silêncio

a continuação

do ato)



avisto formigas carregando folhas

em pedaços. Piso a desnecessidade

do inverno.



(*) Pedro Du Bois, poeta e contista catarinense. Vale a pena acessar seu http://pedrodubois.blogspot.com/

Fonte: www.jaymecopstein.com.br