Há algumas vantagens em ter certa idade.
Você não maneja o twitter como um adolescente, mas pode dizer:
Conheci Helena Antipoff.
Isso não é pouca coisa.
A idade também é uma tecnologia.
Acabo de descobrir que 2009 tem alguma coisa a ver com 1929.
Não, eu não havia nascido ainda, mas foi em 1929, há 80 anos, que Helena Antipoff aceitou o convite para trocar Genebra, onde trabalhava com Eduard Claparede, por Belo Horizonte.
Ela poderia ir para o Egito, onde também a queriam. Mas aceitou o chamado do governo Antônio Carlos, e o ensino em Minas nunca mais foi o mesmo.
Estou lendo uma entrevista virtual com Helena Antipoff, que Rogério Alvarenga fez, extraindo suas palavras de livros e entrevistas.
Vou lhes garantir uma coisa: se alguém se dispusesse a escrever a biografia detalhada dessa russa excepcional, uma biografia minuciosa como essa que Benjamin Moser fez de Clarice Lispector, e que acaba de lançar nos Estados Unidos com grande êxito; se alguém recuperasse, num livro, a vida épica, dramática, lírica e exemplar de Helena Antipoff, teríamos o roteiro de magnífico filme, que retraçaria também a própria história do século 20: Rússia, Europa e Brasil. Mãos à obra, roteiristas de Minas!
Aí está a história de seu pai – general do czar Nicolau II, primeiro aluno da Academia Militar, mas que acabou consertador de sapatos num lugar qualquer da Rússia.
Aí está narrada a trajetória da jovem Helena, que, tendo ido estudar em Paris, na Sorbonne, largou tudo para procurar o pai, caído em desgraça no caos revolucionário soviético. (Isso é mais emocionante que o cinematográfico O resgate do soldado Ryan.).
Aí estão também as peripécias para salvar e manter o marido, Victor, perseguido pelo governo e exilado em Berlim.
Aí está narrado o período de fome e miséria, quando Daniel, filho de Helena com Victor, foi exposto na escola de medicina russa como exemplo de raquitismo.
E, no entanto, essa mulher excepcional, em plena tragédia do comunismo russo, consegue iniciar seu trabalho de educação de delinquentes, como eram chamados jovens perdidos nos bosques tosquiados como cordeiros .
"É difícil imaginar o que passei no período de 1917 a 1921 – diz ela.
Catava-se resina de árvore para saciar a fome.
Armadilhas para pegar algum coelho".
É difícil imaginar, penso eu, que intelectuais do mundo inteiro tenham, no século 20, iludido-se com a tragédia soviética.
Vão dizer: o regime do czar era um horror.
Mas não se combate um horror com outro horror, ou um erro com outro erro.
E Helena chega a Minas.
Aqui, um outro capítulo dessa vida romanesca, do Mar Báltico a Ibirité.
Uma geração privilegiada a espera.
E ela vai citando Marques Lisboa, Jeane Milde, Alda Lodi, Arduino Bolivar, José Lourenço, Alaíde Lisboa, Lúcia e Mário Casassanta, Guilhermino César, Fernando Magalhães Gomes, Lincoln Continentino, padre Negromonte, Olga Ullman, Elza de Moura. Sem contar Abgard Renault e Drummond, o qual também escreveu sobre ela.
E ela narra seus primeiros dias naquela Belo Horizonte de 80 anos atrás:
"Montei também meu próprio ritmo pessoal. Ao chegar à casa, vindo do trabalho, ia me deitar às 21h30.
Das 23h às 4h, estudava e preparava aulas.Dormia das 4h às 6h, quando me preparava para chegar à escola às 7h.
Pegava o bonde e descia na porta da escola.
Tudo calmo.
A cidade tinha 200 mil habitantes".
Há pessoas que fazem história.
Elegante, culta, simples, bem me lembro dela nas famosas festas do milho, na Fazenda do Rosário.
Seu filho Daniel, também brilhante e modesto, deixou depoimentos sobre ela.
Mas há muito, muito mais a contar.
Escritores, roteiristas, mãos à obra!
Pois uma personagem maravilhosa habitou algum tempo entre nós!
Ter Helena Antipoff no Brasil e em Minas foi um luxo.