domingo, 2 de agosto de 2009

FAMÍLIA CÓSMICA - Déa Januzzi


Ela está gripada e sente falta da mãe. Por que as pessoas gripadas sentem falta de mãe? De chá de leite queimado e de limão? Por que as pessoas gripadas sentem falta de afeto? Ficam tão vulneráveis que parecem ouvir lá de dentro do corpo febril: %u201CTome um banho que a febre passa!%u201D; %u201CNão pise no chão gelado sem sandália%u201D e tantas outras ordens imperativas que só as mães sabem dar, mas que você, na época, achava irritante. Entre o sonho e a realidade da gripe, você responde: %u201CSerá que ela não notou que eu já estou crescidinha, que sei me cuidar?%u201D.

A febre aumenta às três da madrugada e ela está sozinha precisando de mãe. Até se esquece de que houve um tempo em que ela teve de cuidar da mãe já velhinha. Não, quando os termômetros da febre chegam aos 39 graus, ela delira: onde estão todos nesta casa? Onde estão os irmãos que moram do outro lado da cidade e se diluíram depois da morte da mãe? Onde está seu filho?

É melhor que ele não apareça agora, porque filho precisa de cuidados e a mãe dele hoje é que está gripada. Ela é que precisa ser cuidada. Onde estão todos a esta hora da noite? Cada um com sua vida, mas não houve um tempo mais seguro, em que tudo era mais confortável e que você podia adoecer sem sentir calafrios? Sem suar de medo?

%u201CConte com a sua família cósmica%u201D, ela ouve a voz da médica homeopata Acely Hovelacque sussurrar ao seu ouvido. Será que é alucinação? Não, desde cedo Acely foi adotando pessoas que não eram de sua família de origem, uma família pequena. O pai era filho único, a mãe só tinha um irmão que se casou tarde e ela só teve primos de primeiro grau aos 15 anos. Pelo caminho, ela foi encontrando outros irmãos que não os da família de origem. Irmãos escolhidos.

No calor da febre, ela também pensa em seu filho único, que vai precisar de uma família astral. Ele também vai ter que se ligar aos primos de terceiro grau, ou, quem sabe, aos amigos que surgirem no meio do caminho. Ainda bem que o filho tem Cláudio, seu primo biológico e cósmico, que o entende e o recebe nos piores e melhores momentos. Ainda bem que ele tem uma segunda casa, em Sete Lagoas, sempre aberta para seus descompassos. Ainda bem que em Sete Lagoas tem fogão a lenha, para aquecer o coração, quando ainda for inverno. Ainda bem que, no meio de tanto tumulto, sobrou alguém da família original que se confunde com a astral. Mas por que é que quando a gente está gripado sente tanta falta de mãe?

Nem mesmo o chá Crepúsculo, feito de rosela, menta e gengibre, consegue aquecer a alma. Só o corpo treme, mas é de frio. Ou será o calafrio da febre? Nem mesmo o escalda-pés com sal grosso, %u201Ccapaz de limpar tudo%u201D, segundo a acupunturista Jô, que também faz parte da sua família astral, consegue tirá-la desse torpor da gripe.

Nem mesmo a possibilidade de jantar na casa da monja Simone, com o mestre budista Tokuda, é capaz de curar sua gripe. Por que às vezes só mesmo mãe tem o poder de curar?. Ela sabe que não adianta apelar para os médicos, porque a esta hora da madrugada os médicos somem. Ou estão nos centros de tratamento intensivo (CTIs) controlando a morte.

Apesar do trabalho que dá a família biológica, com tantos nós a desfazer e tantos fios a desembaraçar, tem horas que só ela pode trazer o alívio para sua dor. Nos momentos difíceis da vida, só mesmo a família original para desentupir os canais do coração.
Ela não sabe por que está pensando nisso, se sua família biológica não está nem mais aí. Depois que a mãe partiu, cada um foi viver sua vida. Mas onde está a minha família astral, que não vejo neste momento de gripe e de febre?

Acely diz que tem uma multidão de gente, na terra e no céu, do nosso lado, uma família astral, além de nossos ancestrais, que também estão torcendo para que a gente dê certo, que eles estão em nós e que continuaremos a tarefa deles. Ela diz que temos também a grande mãe e um pai cósmico, ou o nome que a gente queira dar, e que nos confortam.

Neste momento, ela pensa em todos os amigos que fez ao longo do caminho, mas que neste estado febril da madrugada nem sonham que ela está necessitando deles.

Ela pensa nos amigos que foram embora, nos muitos mestres que teve na vida. Pensa, enquanto seu corpo inteiro treme. As cobertas estão molhadas pelo calor da febre e ela sonha com o calor da mãe, para finalmente adormecer e viajar para outros mundos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por deixar o seu jeito.