quarta-feira, 5 de agosto de 2009

MORRER DE AMOR - Déa Januzzi

“É a ti, flor do céu, que me refiro/Neste trino de amor, nesta canção/Vestal dos sonhos meus, por quem suspiro/E sinto palpitar meu coração/Não te esqueças de mim, por piedade/Um só dia, um só instante, um só momento/Não me lembro de ti sem ter saudades/Nem me podes fugir do pensamento/Quem me dera outra vez esse passado/Essa quadra ditosa em que vivi/Quantas vezes na lira debruçada/ Cantando em teu colo adormeci.”


"Assim Magui, minha amiga da montanha, lá do Sítio Sertãozinho, em Moeda, conheceu Lolota, tocando Flor do céu em seu violino. Lolota viveu uma estranha e não concretizada história de amor com Nico, sua única, maior e derradeira paixão. Magui escreve: “Lolota e sua irmã viviam debaixo de um bambuzal. Casinha de pau a pique na frente, sua irmã Custódia e o cunhado Agostinho, juiz de paz de Moeda. Ali, naquela casa, mandavam a música, a oração e muitas lembranças. Lauride, sua irmã mais nova, acompanhante e confidente, tocava com ela, seu violão enfeitado de fitas coloridas. Por muitas tardes me encaminhei para a casinha das duas. Um trilho margeado de alecrins do campo e, lá no fundo, a majestosa moita de bambu gigante que abraçava aquelas duas e embalava-as com o sussurrar de folhas ao vento. Ouvir a história de amor de Lolota me fazia pensar como era possível alguém viver à espera do outro. Viveram e morreram de amor!

Nico e Lolota se conheceram na juventude. Amor proibido! No seu ofício de capina, Nico espalhava milho pelo roçado e esperava a juriti cantar seu canto de lamento. Dizia ele: “Esse canto é um convite para minha morte. A juriti canta a minha dor”.

Enquanto isso, Lolota era prisioneira do pai, que não podia imaginar Nico com a filha. A cor moreno-roxa de Nico dificultava mais ainda a aproximação dos amantes. Lolota se debruçava na janela, flores nos cabelos à espera de Nico, que vinha da capina ao entardecer. Suspiravam, se olhavam e nada mais...

Lolota era filha de músico e fabricante de instrumentos musicais, entre eles o próprio violino. Corria para sua música e ali extravasava sua dor. Dor de amor, dor que corta. Nas noites em que o pai reunia os convidados (escolhidos a dedo) para o sarau musical, Lolota aproveitava um pouco a distração dele para correr à janela e conversar com Nico. Suspiros, lamentos e juras. Juras de amor!

O amor de Lolota e de Nico correu a redondeza. A posição obcecada do pai fez o povo de Mato Virgem tomar partido. Os que eram contra como o pai escreviam na porteira da fazenda injúrias graves contra Nico, que não suportou a injusta difamação. Entristeceu de tal modo que só ouvia o piado da juriti. E foi seguindo esse cantar que Nico passou para o mundo de lá.

Lolota se fechou de tal modo que parou de comer. Conheci Lolota com seus 74 anos. Como dizia ela, quando oferecia minha geleia de frutas e flores: “Não, Magui, eu só provo”. Meu Deus! E era menos que provar. Raspava a tampa do vidro de geleia, apenas o sujinho que fica por dentro. Ela almoçava e jantava em uma colher de sopa! Isso era tudo!

Em uma das visitas que fiz à Lolota, ela pediu à irmã que buscasse para eu ver seu vestido de noiva. Lá estava ele, dentro de uma fronha com ponto paris. De branco passou a creme. O tecido: tafetá. Fiquei parada diante da cena. O vestido amarelado pela espera do tempo. Aquela velhinha magra, magra em cima de uma cama e o violino (eterno companheiro) no canto de seu travesseiro. Nosso silêncio foi tanto que ela pegou o violino e se pôs a tocar: “É a ti flor do céu que me refiro”. Para ela, essa música quebrava o gelo da eterna ausência de Nico. Cantava com ela, como se pudesse ajudá-la a dividir aquela dor.

Um dia chegando de viagem, recebo a notícia da morte de Lolota. Um banho foi o suficiente para mim. Percorri toda a trilha margeada de alecrins do campo. Tudo muito silencioso. Entro na pequena sala da casa. À luz de um lampião, amigos e parentes consternados faziam vigília do corpo ali vestido de noiva, coroado com flores de laranjeira e no meio do peito o violino que ela tanto amava. Lolota partiu deste mundo e rumou ao encontro de Nico. Hoje, vejo duas estrelas juntas piscando fortes e felizes sobre os céus de Moeda”.

Um comentário:

  1. Passando para agradecer sua visita e comentário lá em casa...e me deparo com este texto super interessante.........
    Gostei!
    Bjkas da amiguinha Jô.

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