domingo, 16 de maio de 2010

RECONHECER O ABUSO - Patrícia Espírito Santo

Desde que o mundo se tornou civilizado e ganhou regras, a sociedade sofre com a pedofilia. O assédio de menores por maiores assusta. E não é para menos

Na última semana, ouvi no rádio comentário de um clérigo brasileiro sobre as acusações de abuso sexual que pairam sobre a Igreja Católica. Ele afirmava que “a sociedade atual é pedófila”, numa tentativa de justificar o fato de que na igreja também existem pessoas com transtornos sexuais. Pena que recorreu a essa tese para amenizar o “pecado”, ao argumentar que pesquisas comprovam que, entre os pedófilos, apenas 0,5% são sacerdotes. Ou seja, o problema deve ser combatido fora de seus muros.

Sem dúvida, esse dado não é comprovável, nem tampouco estatísticas levantadas com outras categorias profissionais. Um pedófilo não se declara assim tão facilmente. Também são muitos os casos de pedófilos que são descobertos e não veem seus nomes serem transformados em números oficiais. Não é esse, porém, o ponto que mais importa.

De fato, desde que o mundo se tornou civilizado e ganhou regras, a sociedade sofre com a pedofilia. Desde quando o relacionamento sexual de adultos com crianças e adolescentes foi proibido, e considerado um transtorno a ser combatido como crime grave, o assédio e o abuso de menores por maiores assustam. E não é para menos.

Combater a pedofilia se torna mais difícil quando não reconhecemos a sua existência bem ao nosso lado. Ou seja, o mais importante não é dizer que são poucos os pedófilos que estão na Igreja. É preciso reconhecer que eles podem estar na Igreja, nas escolas, nos clubes, nos circos, nas academias de ginástica e esportes, entre os integrantes de equipes de recreação, nas clínicas médicas; enfim, em qualquer canto, sem excluir a família.

Não precisamos nos transformar em adultos neuróticos e passar a proibir crianças e jovens de transitarem tranquilos e relaxados por locais que lhes são aprazíveis e aparentemente saudáveis. O melhor é instruí-los quanto aos perigos que correm caso se deparem com alguma atitude suspeita. Eles precisam saber claramente onde reside o limite entre um carinho amigável e um toque invasivo ou uma proposta de caráter sexual.

Muitas vezes, a criança não consegue entender o que lhe ocorreu, principalmente quando é vítima de abordagens sutis. Um beijo melado na face, uma lambida no rosto de natureza libidinosa só serão realmente reconhecidos como envoltos de intenções sexuais se a vítima tiver parâmetros capazes de lhe indicar o que é adequado e o que não é. Caso contrário, ela fica na dúvida e acaba “permitindo” avanços que tornarão sua vida insustentável.

Não deveríamos ter medo ou vergonha de conversar com elas. Todo mundo é capaz de encontrar palavras e termos adequados para serem falados sem traumatizar crianças de qualquer idade. O mais simples, sem fantasias e delongas, costuma ser o caminho mais eficaz e mais fácil de ser tomado.

Outro ponto importante é que crianças e adolescentes devem saber que, por maior e mais assustadora que seja a ameaça que um abusador possa fazer, maior ainda é a capacidade e a coragem de reação daqueles que zelam por eles.

E entre esses o Estado e as Igrejas deveriam se equipar para serem incluídos.

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