quinta-feira, 4 de março de 2010

MEXE, REMEXE, ESPANTE FANTASMAS - Marli Gonçalves




Andei remexendo numas fotos. Aliás, nos últimos meses tenho remexido em muitas coisas, daquelas que vão acompanhando a vida da gente, ali, naquele cantinho, esperando um dia serem resolvidas, ou removidas de vez. Pode procurar que você também tem. Sempre quietas, sorrateiras, essas coisas, pegajosas e recorrentes, parecem estar sempre por perto, à espreita, nos investigando, nos atrapalhando. Elas ficam ali, espiãs, vendo se realmente é verdade o que andamos dizendo, que a superamos, que nem pensamos mais, isso ou aquilo. Essa coisa fica que nem cupim comendo madeira, igual a pernilongo no quarto em noite de calor, com aquele zumbido insuportável de “estou por perto”. Uma sensação de sombra, e que ocupa espaço. Muito espaço. Um camelo na sala.

É uma sensação muito estranha reagir contra esse intruso que em geral se manifesta por meio de pensamentos frequentes ou por ouvir uma música, talvez uma frase já ouvida em outra voz. Pode vir de um aroma. Pode vir de uma repetição, um déjà vu.

Fazemos de tudo para soterrar. Caixas, gavetas, fundos de armários, são os esconderijos prediletos desses monstrinhos. Tentamos não pensar muito nesses casos, até porque sempre há medo envolvido. Na reação, quem vai ganhar? Lembranças fazem chorar. Lembranças fazem sofrer.

Mas lembranças também ajudam a resolver o futuro, dar um passo adiante. Exorcizar.

Há muito não mexia em coisas guardadas, obrigação que agora tenho, embora muito lenta justamente por pensar demais, e para poder iniciar e organizar uma mudança de casa. Não é só por isso, mas muita coisa – inclusive voltar a escrever - tem me feito dar uma viajada no passado, no que foi vivido, em algumas experiências e períodos. Mais claramente no resgate do passado que é o que você acaba fazendo quando mexe em guardados, sejam eles físicos, ou apenas mentais, as tais lembranças. Fotos, filmes, imagens são mais rápidas no tiro – ativam as memórias daquele click. Você olha e se vê ali, estivesse na frente ou atrás da câmera. Você viveu aquilo. E é muito louco ver ou o que era importante e hoje não é nada, ou algo para o qual não tinha dado bola e hoje, ah, hoje, seria diferente, diferente demais.

Cartas! Bilhetes de amor que haviam sido pregados na porta da geladeira em manhãs preguiçosas, largados sobre o travesseiro. Bilhetes que acompanharam presentes – capaz do presente não existir mais, e nem ser lembrado, mas o bilhete cuidadosamente guardado existe e refaz a história. Quantas juras, quantos pedidos de desculpas, quantas pequenas alegrias e, também, hoje dá para saber, quantas mentiras! (Sim, porque anos depois tudo faz mais sentido e se encaixa). Depois ninguém entende por que a gente vai amadurecendo e ficando cético e mais cauteloso. Quando a gente vai embora daqui, morre, quem vai mexer nessas coisas e entendê-las tão bem?

E o armário? E as roupas? Mexer em roupas guardadas! Pega! O espião estava lá, escondido entre suas coisas, e você pensando que tudo estava resolvido. Aquela camiseta velha, ainda com cheiro daquela pessoa, misturada com a sua, lá no fundo da gaveta. Aquele par de meias emboladinhas. Será por isso que certas lembranças teimam em nos assombrar?

Então, é isso. É preciso de tempos em tempos resgatar o passado. O que do passado? As coisas boas, as imagens, mas há de se encarar e se confrontar também com o que você até hoje traz de mal resolvido, de inacabado. Talvez essas devam ser as primeiras na lista desta que vira uma verdadeira (e dolorosa) faxina espiritual, muito além do que qualquer Feng Shui poderia tornar possível. Pode acontecer na sua vida a qualquer hora, mas sempre acontece quando mexemos e remexemos nossas casas e vidas. Um passo para o futuro, que te leva para o passado. Sabia que Feng Shui é um termo de origem chinesa, traduzido literalmente como “Vento” e “Água”; os ideogramas Feng e Shui (respectivamente Vento - yang - e Água - yin -) representam o conhecimento das forças necessárias para conservar as influências positivas que supostamente estariam presentes em um espaço? E redirecionar as negativas, de modo que elas - mesmo estas negativas - possam ser usadas em benefício. Faz sentido.

Sobre isso é que estou falando. Amigos, não falo só de amores e paixões. Falo de forma geral do que guardamos para resolver depois, do que ficou naquele cantinho. A briga e a conversa difícil com alguém da família, com um irmão. Valeu a pena vocês romperem? Aquele que era, sim, seu amigo, mas você nunca o perdoou porque ele esqueceu uma data ou tratou mal uma namorada sua. E não é que ele tinha razão, e você nunca mais o procurou para dizer isso, com a alma aberta? Valeu a pena? O que teria acontecido se naquele dia você...

E aquele antigo companheiro de trabalho? Nem era tão amigo, mas pensa bem que você nunca perdoou a si próprio porque precisou, digamos, “ultrapassá-lo”, para subir um pontinho na empresa. Valeu? Hoje você sabe que não.

Sem culpa. Apenas pensar, lembrar, mexer, remexer, muitas vezes já resolve. E você pode se “auto-absolver”, com ou sem penitência. Apenas entender melhor o que foi que aconteceu. Porque perdeu a paciência. Há de conseguir achar qual foi o momento em que você errou, parou, desanimou, jogou a toalha. Quando o vaso quebrou, o encanto sumiu, caiu a gota d`água, o cálice transbordou. Porque naquele dia você foi embora. Ou porque não teve coragem de declarar-se, e perdeu uma grande chance.

Tomara que este confessionário particular ajude. Não é fácil e pode mesmo ser aterrorizante, até tenebroso descobrir que tantas coisas, fatos, pessoas, sonhos e certezas ficaram para trás, o que aconteceu, o que não aconteceu, o que poderia ter sido determinante. Seja qual for o veredicto que dará a si próprio, foi a sua vida. Foi um click, igual a uma foto. Essa é a sua experiência pessoal, e o que pode ter lhe trazido desilusão, perda de confiança, dificuldade de amar ou se relacionar.

O tempo não volta. O passado não volta. De jeito nenhum. Não precisa nem se preocupar. Completo, nunca mais. Perceba como já vêm faltando pedaços a cada vez que aparece, envelhecendo ele próprio. Que pelo menos ele envelheça dignamente. A gente pode ajudar nisso, e se sentir muito melhor, bem mais leve, pelo menos.
 

Fonte:  www.jaymecopstein.com.br

Um comentário:

  1. De mexer e remexer o pó saiu e lá se observa algo que á algum tempo não se via por estas paragens nas Serras de Minas, abraço grande.

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