Como nos contos de fada, estou dentro de um castelo, rodeado por um fosso com água por todos os lados. A ponte levadiça é a única passagem possível entre o castelo e o mundo lá fora. Dentro do castelo, no entanto, tenho quase tudo, mas preciso sair para fazer a provisão diária, para trabalhar, para ver os amigos.
Perto deste castelo, no alto do Bairro Serra, em Belo Horizonte/MG não tem recurso nenhum: nem padaria, lanchonete, farmácia ou supermercado. Só há vendinhas fincadas no alto do morro, que hoje chamam de aglomerado. Perto desse castelo não há condução, nenhum transporte possível, a não ser a pé ou de carro. Como não sei dirigir, tenho que descer o morro a pé, mas, às vezes, a ponte levadiça quebra, como se fosse uma casca de ovo, e eu fico lá na janela observando a conversa de mães que levam e trazem os filhos para a creche todos os dias.
Hoje, por exemplo, está chovendo muito e a ponte levadiça está perigosa. Não sei se vocês me entendem, mas pago caro para morar neste castelo, em pleno século 21. A fala de uma das mães me chama a atenção, no meio de uma chuva insistente: “Não vejo um pai carregando filho em dia de chuva”.
A fala dela é um lamento profundo, enquanto a filha de 3 anos se agarra à sua perna como um polvo e o bebê no colo dela grita a plenos pulmões, apesar de estar mais protegido pela sombrinha.
Neste castelo contemporâneo, onde moro de aluguel e pago caro por ele, ouço o ir e vir de mulheres que são obrigadas a ser fortes, no vaivém de seus dias, subindo e descendo o morro com filhos, sacolas e outros pesos da vida no colo. Elas não têm outra escolha, porque estão sós na tarefa de ser mulher e mãe. Não há chance para elas que não têm outras possibilidades.
Mas, por que então escolhi me esconder dentro de um castelo, com playground para um filho já adulto? Por que não pensei em mim na hora de escolher um lugar para morar?
Dentro dessa espécie de castelo contemporâneo fico sozinha quase sempre. Mesmo se quiser sair à noite para encontrar os amigos tenho que chamar um táxi, que demora tanto a chegar que parece até uma carruagem. Acostumada a ter tudo por perto, não consigo mais nem encontrar os amigos depois que me mudei para esse castelo fincado no alto do Bairro Serra.
Como todas as construções antigas, o castelo tem goteiras por todos os lados quando chove e até a piscina, a sauna e a churrasqueira começaram a dar defeito pelo não uso. Pergunto-me por que foi que escolhi morar num castelo medieval nos dias de hoje? Um castelo que não permite nem mesmo se comunicar por celular, que não pega de jeito nenhum. Posso andar a casa inteira que não encontro sinal. Resultado: a conta do telefone fixo subiu a uma altura inimaginável e impagável.
Sem ponte levadiça, estou presa dentro de mim mesma. Não adianta gritar nem pedir socorro, porque os transeuntes dessa rua têm mais precisão do que eu. Seus gritos são verdadeiros. São gritos de urgência e de falta, enquanto me pergunto sobre o porquê de meus constantes excessos que hoje me levam à escassez contínua.
Preciso jogar minhas tranças e fugir desse castelo que começa a assombrar minha vida. Desde que me mudei para este castelo, ouço tiros na madrugada, o espoucar de fogos de artifício, ouço os gritos de dor e vejo frequentemente a luta dessas mulheres, que carregam sozinhas a cruz de seus dias. Elas sobem o morro debaixo da chuva torrencial com pencas de filhos que não cabem todos debaixo das sombrinhas. E eu fico aqui, no parapeito da janela, a pensar na minha própria vida, que também não é nada fácil, mas que pelo menos tenho oportunidade de escolha.
Por que é mesmo que vim morar neste castelo? Pergunto-me todos os dias. Já decidi que quero sair daqui, mas me esqueço de que estou em 2010 e tenho um contrato a cumprir, com imobiliária, advogados, Lei do Inquilinato e um tanto de amarras que me impedem de sair correndo, mesmo sem ponte nem ônibus nem sei o que mais.
Não sei por que vim morar neste castelo que está me assombrando os dias e me impede de ir e vir. Mesmo que hoje eu possa mudar o fim dessa história de contos de fada, tenho que me lembrar que estou acordada e que nenhum príncipe encantado vem para me salvar de mim mesma.
Perto deste castelo, no alto do Bairro Serra, em Belo Horizonte/MG não tem recurso nenhum: nem padaria, lanchonete, farmácia ou supermercado. Só há vendinhas fincadas no alto do morro, que hoje chamam de aglomerado. Perto desse castelo não há condução, nenhum transporte possível, a não ser a pé ou de carro. Como não sei dirigir, tenho que descer o morro a pé, mas, às vezes, a ponte levadiça quebra, como se fosse uma casca de ovo, e eu fico lá na janela observando a conversa de mães que levam e trazem os filhos para a creche todos os dias.
Hoje, por exemplo, está chovendo muito e a ponte levadiça está perigosa. Não sei se vocês me entendem, mas pago caro para morar neste castelo, em pleno século 21. A fala de uma das mães me chama a atenção, no meio de uma chuva insistente: “Não vejo um pai carregando filho em dia de chuva”.
A fala dela é um lamento profundo, enquanto a filha de 3 anos se agarra à sua perna como um polvo e o bebê no colo dela grita a plenos pulmões, apesar de estar mais protegido pela sombrinha.
Neste castelo contemporâneo, onde moro de aluguel e pago caro por ele, ouço o ir e vir de mulheres que são obrigadas a ser fortes, no vaivém de seus dias, subindo e descendo o morro com filhos, sacolas e outros pesos da vida no colo. Elas não têm outra escolha, porque estão sós na tarefa de ser mulher e mãe. Não há chance para elas que não têm outras possibilidades.
Mas, por que então escolhi me esconder dentro de um castelo, com playground para um filho já adulto? Por que não pensei em mim na hora de escolher um lugar para morar?
Dentro dessa espécie de castelo contemporâneo fico sozinha quase sempre. Mesmo se quiser sair à noite para encontrar os amigos tenho que chamar um táxi, que demora tanto a chegar que parece até uma carruagem. Acostumada a ter tudo por perto, não consigo mais nem encontrar os amigos depois que me mudei para esse castelo fincado no alto do Bairro Serra.
Como todas as construções antigas, o castelo tem goteiras por todos os lados quando chove e até a piscina, a sauna e a churrasqueira começaram a dar defeito pelo não uso. Pergunto-me por que foi que escolhi morar num castelo medieval nos dias de hoje? Um castelo que não permite nem mesmo se comunicar por celular, que não pega de jeito nenhum. Posso andar a casa inteira que não encontro sinal. Resultado: a conta do telefone fixo subiu a uma altura inimaginável e impagável.
Sem ponte levadiça, estou presa dentro de mim mesma. Não adianta gritar nem pedir socorro, porque os transeuntes dessa rua têm mais precisão do que eu. Seus gritos são verdadeiros. São gritos de urgência e de falta, enquanto me pergunto sobre o porquê de meus constantes excessos que hoje me levam à escassez contínua.
Preciso jogar minhas tranças e fugir desse castelo que começa a assombrar minha vida. Desde que me mudei para este castelo, ouço tiros na madrugada, o espoucar de fogos de artifício, ouço os gritos de dor e vejo frequentemente a luta dessas mulheres, que carregam sozinhas a cruz de seus dias. Elas sobem o morro debaixo da chuva torrencial com pencas de filhos que não cabem todos debaixo das sombrinhas. E eu fico aqui, no parapeito da janela, a pensar na minha própria vida, que também não é nada fácil, mas que pelo menos tenho oportunidade de escolha.
Por que é mesmo que vim morar neste castelo? Pergunto-me todos os dias. Já decidi que quero sair daqui, mas me esqueço de que estou em 2010 e tenho um contrato a cumprir, com imobiliária, advogados, Lei do Inquilinato e um tanto de amarras que me impedem de sair correndo, mesmo sem ponte nem ônibus nem sei o que mais.
Não sei por que vim morar neste castelo que está me assombrando os dias e me impede de ir e vir. Mesmo que hoje eu possa mudar o fim dessa história de contos de fada, tenho que me lembrar que estou acordada e que nenhum príncipe encantado vem para me salvar de mim mesma.
Pque vc nao muda? É facil falar, não e mesmo? A prática que é complicada. Mas vou torcer para vc resolver uma maneira de sair do seu castelo com mais facilidade e adpatar-se no local que está.
ResponderExcluir