segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

ANTES QUE O NATAL CHEGUE ! - Déa Januzzi


Enquanto monto a árvore de Natal, com a ajuda imprescindível de Kátia, minha irmã, refaço o caminho. Só ela sabe montar uma árvore de Natal, tarefa que sempre exerceu com o maior prazer. Todos os anos era Kátia que montava a árvore dela, a minha e a da nossa mãe. Fazia com o maior gosto e prazer, mas, desta vez, nós duas demoramos mais tempo do que o normal para decidir se teria árvore ou não, se não era melhor deixar o lugar vazio, para marcar a falta.

Desta vez, foi mais difícil do que em outros natais, pois ainda dói lembrar que será o segundo Natal sem Amélia, sem a ceia, a família reunida. Cada um deve comemorar o Natal no seu canto, afinal, a base se partiu. E não é que procuro em cima do armário o pé da árvore de Natal e não o acho? Ponho tudo para fora e reparo no cheiro de mofo que contamina tudo, inclusive a minha vontade.

Do alto da escada percebo rachaduras na parede e também dentro de mim. Onde estará a base da árvore que não sustenta mais o nosso Natal? Será que não é preciso rever meu próprio Natal? Enquanto procuro a base da árvore, encontro o Menino Jesus, Maria e São José enrolados num jornal e desembrulho lembranças de Amélia, afinal, as imagens do presépio eram dela e penso: será que faço um outro Natal? Limpo as imagens e repenso em quantas filhas estarão passando mais um Natal sem a mãe, pai ou filhos que partiram nesta época tão imprópria para morrer.

Enquanto penso, encontro a base da árvore, depois os galhos, as bolas douradas, as estrelas, os anjos e os laços, mas não vejo o brilho próprio do Natal dentro de mim. Desço com tudo e espero Kátia chegar. A campainha toca e abro a porta para reencontrar o espírito de irmandade.

Juntas, montamos a árvore em silêncio, mas uma voz diz: “Que árvore linda, filha!”. É a voz de Amélia, que aprova cada detalhe. É o sinal de que os anjos da árvore estão vivos dentro de nós e a gente sente o cheiro da leitoa à pururuca, que vinha de Sete Lagoas. Tento afugentar perfumes e sabores de um tempo que não vai voltar mais, me convencer de que um Natal com clima quente não precisa de alimento tão calórico. Tento imaginar um Natal mais leve, mas o peso das lembranças me faz devorar a mais tradicional ceia de Natal, ao jeito da família. Não há nada mais indigesto do que família, um prato difícil de engolir, mas a gente sente falta, mesmo quando transborda e não chega ao ponto certo, mesmo que desande na panela das emoções.

Quando não há mais família nem a possibilidade de um Natal como os de antes, a gente sente falta até das brigas, das caras amarradas numa noite que deveria ser só de alimento para a alma. Há convites para passar o Natal em outras casas, mas o pisca-pisca da árvore diz que não, que é preciso viver até o fim a solidão deixada por ela, a melancolia deste Natal.

É preciso acender outras luzes, mesmo que elas não iluminem mais a família original. Não há mais chance de juntar os pedaços de cada um. Não há cola que aguente pegar tantos cacos espalhados por bairros e corações distantes. Não há ingredientes suficientes para esse prato difícil de preparar, que é a família. Um caldeirão que só as mães sábias conseguem mexer e destrinchar.

Percebo que faltam galhos na minha árvore genealógica, mesmo que depois de tudo encontre outras pessoas que adornem a minha vida, como Marco Aurélio e Beatriz, em Barão de Cocais, que sempre me recebem de braços abertos e que me lembram o modo certo de manter uma família unida, com seis filhos, namoradas, netos e aconchego, além de muita harmonia. E que ainda tem espaço para abrigar o pai, avô e sogro de 95 anos. Mesmo que nessa casa em Barão de Cocais ainda haja um lugar para um pai idoso. Mesmo que em Sete Lagoas eu ainda encontre um sinal de família, o sentido do Natal hoje é outro.

Enquanto a árvore não fica pronta, me enlaço de fitas e me curvo diante da saudade, mas há um Menino Jesus me olhando da manjedoura. Há um repicar de sinos dentro de mim, a lembrar que o Natal está chegando e que ainda não decidi para onde vou. Acho que neste Natal vou procurar os próprios galhos, replantar a minha árvore que há um ano está sem suas raízes, balançando ao vento. Vou cuidar de fincá-la outra vez em terra firme, mesmo que seja preciso outras mudas, vou limpar o terreno em volta, enxertá-lo com outras raízes e, quem sabe, nos próximos natais esteja inteira outra vez e dê sombra para mim mesma!

Um comentário:

  1. Olha, gostaria demais de dizer que a dor passa, mas a minha ainda não passou.
    Minha mãe faleceu há 9 anos, e todo Natal ainda sentimos demais sua falta.

    Como voce, a família durante um tempo, se partiu, mas aos poucos, com muito amor e força de vontade, tudo está voltando aos eixos =)

    Fica na paz.

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