sábado, 5 de setembro de 2009

ABRA SUAS ASAS - João Carlos Assumpção



"Dar um sentido para a vida. Amar e ser amado. Deixar uma marca de sua passagem pelo mundo. Ver uma parte de si se propagar pelo tempo. Enfim, vencer a sensação de finitude. É para isso que as pessoas têm filhos, e é por isso, também, que se adota uma criança. Essa constatação pode espantar quem vê os pais adotivos como uma espécie de herói, gente caridosa que decidiu abrir as portas da própria casa para uma criança abandonada. Adoção não tem nada a ver com caridade, e pais adotivos não podem ser vistos como pessoas especiais. São pais como quaisquer outros, que cometem os mesmos erros e pecam pelas mesmas ansiedades.

É claro que, no momento da adoção, existe uma boa dose de desejo de ajudar, um sentimento de amor ao próximo. Mas altruísmo nenhum dura a vida inteira, que é o tempo de uma relação de pai e filho, afinal de contas. A adoção, é verdade, não deixa de ser um ato de solidariedade, mas, ao adotar, os pais também querem atender a uma necessidade própria, preencher um vazio interior, seja ele qual for. Se estão se dando a oportunidade de ajudar um ser humano, estão, antes de mais nada, ajudando a si próprios. Se por um lado quem adota devolve à criança o direito de ter um pai ou uma mãe, ela lhes oferece a preciosa função de educar, de dar e receber amor. Permite orientar e aprender com o desenvolvimento da criança, uma experiência que pode ser muito construtiva e exige um bocado de dedicação.

Porque, como diz Fernando Freire, psicólogo da Associação Brasileira Terra dos Homens, que trabalha com crianças e adolescentes em situação de risco, a adoção é antes de tudo uma atitude frente à vida e seus desafios, uma atitude de quem sabe que o amor é uma das poucas coisas que, quanto mais partilhado, mais cresce.

Nem mais, nem menos

Um filho adotivo não dará aos pais nem receberá deles amor maior ou menor que um filho biológico.A mulher é predisposta a gerar e a cuidar do filho, mas, em uma gestação não planejada, por exemplo, ela também tem que decidir cuidar da criança e amála. Também é uma escolha, assim como acontece na adoção, diz Gabriela Schreiner, diretora-executiva do Cecif, centro que auxilia organizações que desenvolvem trabalhos de apoio à convivência familiar. Segundo ela, a paternidade e a maternidade podem ser indesejadas, mas não a paternagem ou a maternagem, ou seja, o exercício do papel de pai ou de mãe. Não se ama mais um filho porque ele é biológico ou adotivo. Ama-se porque o pai ou a mãe tem capacidade de amar, independentemente de o filho ter sido gerado pelo casal ou não.

Quer dizer, não é porque uma mulher teve um filho que vai amá-lo.Tem de ter disposição e capacidade para fazê-lo.Essa questão de instinto materno nunca foi comprovada cientificamente. Como em qualquer relação, o amor é construído, diz Gabriela.

O conceito de paternidade não deixa de ter um quê cultural.Não são poucas as tribos indígenas em que as crianças pertencem ao grupo, não aos pais. Em certos povos africanos, jovens são criados por tios, primos, avós, fazendo estes o papel de pais. E, se a preocupação é com o caráter antinatural da adoção, é bom saber que ela existe em outras espécies animais, como os golfinhos, conhecidos por sua inteligência e bom nível de comunicação. Entre eles, qualquer filhote é do grupo, não dos pais, e toda fêmea pode amamentá-lo.

Se você achou estranho ler, lá no primeiro parágrafo, que pais adotivos também querem ver uma parte de si se propagar pelo tempo, saiba que isso acontece, sim. Não são os genes que se propagarão, é claro, mas a cultura familiar e pessoal não é herança pouca. Cláudia Barcellos e Altair Araújo, que adotaram uma criança de 4 anos e meio na região de Cotia (SP), contam uma situação curiosa, que costuma acontecer algumas vezes, mesmo em adoções tardias. Depois de um tempo ela até começou a se parecer conosco, principalmente comigo.

Em adoções bem-sucedidas, o fenômeno não é incomum. Muitas crianças adotadas acabam adquirindo características de seus pais, como o jeito de sorrir, a maneira de falar ou até a de andar, afirma Gabriela.

Amar faz bem à saúde

E aí está, na verdade, a chave da questão. Como diz o psicoterapeuta italiano Piero Ferrucci, autor do livro A Arte da Gentileza, estimular qualidades humanas como afeto, gentileza e compaixão faz bem. Pessoas gentis são mais saudáveis, mais amadas e produtivas. Vivem mais e são mais felizes, enfim.

Quem adota,portanto,pode se sentir assim, o que não deixa de gerar certas dúvidas, que são colocadas pelo próprio Ferrucci. O italiano faz uma ponderação interessante sobre o assunto, que depois ele mesmo responde: Suponhamos que sejamos gentis para nos sentirmos melhor e vivermos mais. Não estamos, então, distorcendo a própria natureza da gentileza, fazendo algo de forma calculada e em interesse próprio? A resposta:Não importa.A gentileza dá sentido e valor à vida, elevanos acima de nossas dificuldades e lutas e nos transmite inefável bem-estar.

A adoção tem como base um desejo primordial do ser humano, que é amar e ser amado. Como diz Ferrucci, só podemos estar bem se formos capazes de cuidar uns dos outros, de amar uns aos outros.

Num tom mais forte e radical, no livro Quando Nietzsche Chorou, o psiquiatra Irvin D. Yalom também toca no assunto, dando voz, em determinados momentos, à tese de que o ato de amar é movido por um lampejo egocêntrico. Jamais alguém faz algo totalmente para os outros, todas as ações são autodirigidas, todo serviço é autoserviço, todo amor é amor-próprio. Exagero? Talvez, mas grupos como o Cecif levam isso em consideração e cuidam para que essa busca incessante pelo preenchimento de um vazio interior não atrapalhe o processo.

Foco na criança

Quem adota deve levar em conta não só suas próprias aspirações, mas também as da criança que é adotada. Quem alerta para o risco de o pai ou a mãe de uma criança adotiva pensar apenas nos seus anseios é a terapeuta de família Márcia Lopes de Camargo. A adoção não pode se transformar simplesmente em um tapa-buraco existencial. Ela também deve ser voltada para a criança, com quem assumimos a responsabilidade de cuidar e educar.Devemos criá-la em um meio seguro, para que ela cresça numa família, e não nos preocupar apenas em atender à satisfação de uma necessidade pessoal, encobrindo uma dor que deveria ser por nós mesmos trabalhada, para o nosso próprio crescimento, diz.

O norte-americano Robert Klose, professor de biologia que adotou um menino da Rússia, concorda com ela. A adoção é uma troca, uma relação construída no dia-a-dia, em que você tem que estar preparado para o melhor e para o pior. Para adotar, não basta ter o desejo, a vontade. Tem que ter muita disposição.Até porque, no caminho, os pais costumam ter muitas surpresas.Assim como quem tem filhos biológicos, não conhecemos todos os ingredientes, entramos numa região desconhecida e temos de ter disposição para enfrentar os obstáculos que certamente aparecerão. Na adoção, como na vida, toda história é única, diz o biólogo.

Com que idade?

Em geral, pais preferem filhos recém-nascidos. E é natural que seja assim. Afinal, eles querem participar de toda a vida da criança.Mas aos poucos essa exigência vem cedendo espaço, e cada vez mais crianças de 2, 4, 10, 13 anos estão ganhando pais. Para Gabriela Schreiner, isso não faz diferença no sucesso da adoção. Em um longo estudo sobre o tema, a psicóloga Lidia Natalia Weber, do Paraná, uma das maiores especialistas do Brasil no assunto, fez entrevistas com 1 000 casais que haviam adotado entre 1996 e 1999. Descobriu que 95% das adoções tardias deram certo.

O grande diferencial de uma adoção tardia é o cuidado que os pais devem ter ao lidar com o histórico anterior do filho, diz Gabriela. Ou seja, os problemas enfrentados pela criança nos primeiros anos de vida pré-adoção. Há vítimas de maus-tratos, violência, atraso escolar, dificuldade de confiar nas pessoas, baixa auto-estima, entre outros. Além de muito carinho, a ajuda de profissionais, como psicólogos, fonoaudiólogos e educadores, dependendo do caso, pode ser fundamental.

É o caso de Robert Klose, o norteamericano que foi até a Rússia adotar, para quem todo o processo, que pode ser mais demorado do que os nove meses de uma gestação, vale a pena. No livro Adopting Alyosha (Adotando Alyosha, inédito no Brasil), em que ele conta a história da adoção da criança, lembra que, quando tinha 7 anos, queria muito crescer logo para virar um adulto.Agora que chegou lá, percebeu que a espera foi válida. É que tinha a seu lado um menino de 7 anos, vindo do outro lado do mundo, a quem podia chamar de filho".


Para saber mais:

- Por uma Cultura da Adoção para a Criança Grupos, Associações e Iniciativas de Apoio à Adoção, Gabriela Schreiner, Consciência Social

- A Arte da Gentileza As Pessoas Mais Gentis São Mais Felizes e Bem-sucedidas, Piero Ferrucci, Elsevier

- Os Bichos Ensinam, Odir Cunha, Códex

- 101 Perguntas e Respostas Sobre Adoção, Cecif

- Adopting Alyosha A Single Man Finds a Son in Russia, Robert Klose, University Press of Mississippi


Fonte: vidasimples.abril.com.br/

Setembro/2005

2 comentários:

  1. Vou indicar esse texto para uma amiga que tem muito a acrescentar. Ela é blogueira, não sei se conhece. A Talma.
    Muito boa as colocações aqui expostas.
    Ó... em relação a mim... respondi pra vc lá no blog. Bjo

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  2. Chamou, chamouuuuuuuu hehehehe, chamou eu venho, demoro um pouquinho, mas venho rsssss.

    Correrias de fim de semana amiga, ajudando meu filho com um trabalho da feira cultural da escola, eles vão fazer sobre adoção. Achei tão lindo da parte dele propor o assunto, já está contagiado tb, rssssss

    Além de supermercado, essa trabalheira toda que faz parte da nossa vida rssss

    Mas agora estou aqui e adorei o post, adoreiiiiiii mesmooooooooo. Gostei tanto que vou rouba-lo tá??? kkkkkkkkk

    beijinhos no coração minha linda, uma ótima semana pra vc.

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