domingo, 16 de agosto de 2009

REFÉNS DA GRIPE - Déa Januzzi


Não pode abraçar nem beijar. Se for abraçar, abrace primeiro a si mesmo, depois mande o abraço para o coleguinha. Beijar? Só mandar o beijinho de longe. Se for tossir ou espirrar, tem que pegar o lenço ou fazer isso na manga da blusa do uniforme. E o pior: quem tosse ou espirra atrai olhares enviesados, como se fosse portador da peste. Não pode dividir o lanche. As meninas têm que deixar batom e o restante da maquiagem em casa. Os meninos que levarem brinquedos têm que passar álcool gel antes. Tem que deixar a janela do quarto aberto para entrar o ar e a porta da casa também, mas é preciso não se esquecer de fechá-la à noite, quando for dormir. Bebedouros da escola lacrados. É preciso levar o kit antigripal – álcool gel, sabonete líquido – e de tanto lavar as mãos por cima, por baixo e entre os dedos, tem mãe que vai além. Manda também um hidratante para que as mãos não fiquem secas de tanto lavar.

Quem chegou da escola, no primeiro dia de aula, repetindo todas essas regras foi Luiza, de 5 anos. Ela explicou detalhadamente para todos em casa como é que deve ser até que a gripe suína desapareça. Ela nem imagina o que é o vírus influenza, mas não gostou principalmente de não poder levar o batom de morango para a escola. Virou-se para a tia e protestou: as meninas foram prejudicadas porque não podem levar maquiagem, mas os meninos podem tudo!

Rafael, de 7 anos, também voltou da escola cheio de recomendações: não pode pôr a mão na boca, no nariz e nos olhos. Não pode usar sabonete em barra. Só líquido e depois tem que enxugar com papel. Copo, só descartável. Não pode emprestar lápis nem borracha. Roberta, de 15 anos, já está querendo terminar o namoro de seis meses, porque está com medo de abraçar e de beijar.

Essas são as novas neuras e precauções que têm deixado todo mundo refém de uma gripe que não matou nem 0,07% da população brasileira, mas que tem revelado uma carência generalizada. Até o filho dela voltou ontem da faculdade com panfletos sobre a gripe suína – e ela também tentou entrar no banheiro da empresa em que trabalha, sem sucesso: uma fila de mulheres se demorava na pia para lavar as mãos. Foi preciso pedir a uma delas que lavava as mãos sem parar que desse lugar para a próxima. Para que tanto?, ela perguntou. A outra respondeu: gripe suína!

Será que essa louca gripe suína tem culpa de nossos medos e inseguranças, das nossas paranoias e esquisitices? Será que as pessoas não estão mesmo é necessitando de uma faxina interna? De desinfetar emoções no lugar das mãos? De ensaboar preconceitos? Será que a gripe suína não está avisando que as crianças estão abarrotadas de biscoitos, balas, chocolates, doces, pirulitos? Que as frutas foram substituídas por sucos prontos? Será que as mães não estão se sentindo culpadas porque trabalham demais e não podem dar atenção aos filhos?

São tantas perguntas que ela não tem respostas para tanta inquietação. Será que a gripe suína não está revelando que há um nojo generalizado do outro? Que um espirro do outro pode suscitar os meus piores e mais secretos sentimentos de aversão? Será que a gripe suína não está sendo um bom motivo de intolerância e de separação: quem tosse e espirra deve ser condenado, levado a julgamento público, ser imolado no altar dos ímpios? A gripe suína é uma realidade, mas é verdade também que as pessoas exageram. Será que a gripe suína vai exorcizar as nódoas da alma? Tirar as manchas do ressentimento, da mágoa? Será que ela veio para separar uns dos outros, para revelar o que estava bem escondido dentro de cada um? Que a convivência está ficando a cada dia mais difícil? Que todo mundo está querendo atirar a primeira pedra? Há um vírus no ar contaminando as relações. Há uma falta de paciência generalizada. Uma acusação explícita no olhar.

Será esse o vírus da insatisfação, que se espalhou como uma pandemia? Será uma desculpa para justificar o individualismo e ficar de vez dentro de casa, em frente à tevê, com medo de bater na porta do vizinho, de sentar numa mesa de boteco? Será um vírus da classe média, que viaja de avião e se contamina em outros países? Será que não há mais em quem acreditar? Que não se pode estender a mão para o outro? Estou prestes a espirrar e lembrei-me de uma tia do interior, que gostava de cheirar rapé e espirrar. Ah, pobre tia, o que seria dela nesses tempos de gripe suína? Ainda bem que ela nunca andou de avião, nunca passou por aeroportos e vivia na santa paz no interior de Minas cheirando rapé e espirrando sozinha!

5 comentários:

  1. Essa gripe! Não sei não, demoraram para reagir...
    Estou confuso morreu um vizinho meio próximo! Beijo

    PS: Claro que pode meu anjo, se vc gostou...

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  2. Oi Kyria!
    ando neurótica com o assunto...
    bjk e ótima semana pra vc

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  3. tá todo mundo com medo e meio neurotico com isso bj

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  4. Concordo totalmente! É uma paranóia generalizada, em grande parte causada pela mídia. Industria do medo. Inconsciência coletiva. Se esquecem de que quando chega nossa hora de partir desta pra melhor, não vai ser uma mascarazinha fininha que vai mudar tudo.
    bjossssssss

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  5. gOSTARIA DE TER A CRFÔNICA DO DIA DAS MÃES.lINDA DEMAIS, PRECISA SER COMPARTILHADA COM AMIGOS. gRATA mARIA hELENA

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Obrigada por deixar o seu jeito.