sábado, 23 de maio de 2009

ESMOLAS EMOCIONAIS E OUTROS TROCOS - Marli Gonçalves


Entende que elas existem, e, o que é pior, às vezes nos contentamos com elas, por mais miseráveis que sejam?

Senhor, me dê um olhar. Uma atenção. Senhora, deixe-me tentar lhe agradar. Patrão, viu que fiz tudo direito? Papai, adivinha o que consegui fazer hoje! Mamãe, você acha que sou bonita? Não sabemos durante toda a nossa vida mais o que fazer, desde que nascemos, senão pedir pequenas esmolas, suplicar olhares mais atentos, ouvidos generosos. Esmolas emocionais. Pequenas esmolas. Pequenas atenções. Leves afagos para ir levando a vida. Abana o rabo aqui, dá a patinha, se finge de morto, senta, deita.

Cansei delas, das tais esmolas emocionais, aos 50. Não as evitarei, decerto. Mas não sairei mais mendigando por elas. Nós temos o nosso valor. Algum. Todos têm um valor. Farei como os músicos e malabaristas de rua que deixam o chapéu virado ali por perto. Quem quiser colaborar, que o faça. Que atirem algumas moedas, que deixem impressões, pensamentos. O que valem essas esmolas a não ser existir apenas como pequenas concessões e comiserações que alguém "generosamente" lhe oferta?

As coisas andam complicadas, principalmente os relacionamentos. Se amorosos, viram armadilhas, onde sempre alguém sai com um pedaço amputado, se sair com vida. Se profissionais, são levados na barriga, nas coxas, e em uma falta de educação mortal, que tem primado apenas em se aprimorar, coisa ruim. Quando familiares, os relacionamentos parecem guerras nucleares, brincadeiras bélicas, jogos de War, lados contra lados, até que um deles se rompa, ou rompa com todos.

Para completar, como ano após ano, está começando a se aproximar aquela data maldita que alguém inventou e se deu bem. A data pegou e ela pode deprimir, deixar muito mais triste do que o Natal, tem maior poder de destruição. O que é? O que é?

Acertou! Dia dos Namorados! Urghhhh!!!! Andei vendo passeatas de pessoas sozinhas querendo arrumar uma "canga", uma tranqueira qualquer para passar esse dia pelo menos em alguma companhia. Tinha de tudo, gente jovem, bonita, se divertindo, e gente mais vivida tentando pescar alguém no riozinho da vida, no lago seco, junto da marolinha. Passeatas patrocinadas por um site de relacionamentos, que costuma "percentualizar" interesses comuns, o que só pode dar uma grande bobagem e terrenos para encrencas. Você responde a algumas perguntas e eles dizem, juram, que encontram seu outro par de meias, a tampa da sua panela, o pé do seu chinelo. Aí te oferecem 78% de afinidade tal, 54% de afinidade tal, inclusive sexual, e assim por diante. Juro: ainda tem quem acredite até que Matemática funciona numa hora dessas, ignorando a importância da Geografia, do Português, da História, e outras matérias básicas.

Fora a sorte, necessária para quem se arrisca a jogar na loteria.

Sempre (mesmo quando acompanhada) tive certo enjoo com esse dia, onde a falsidade fica solta, os lugares se enchem de gente bonitinha, arrumadinha, vestida igual quando vai para a igreja, de mãozinha dada, gastando seus trocos, os carapicuás, em restaurantes e motéis lotados. Dia de fazer amor. Antes, invasões por todos os poros de corações vermelhos e mensagens edificantes – e o coitado do São Valentim, lá do dia 14 de fevereiro, nem passa perto dessa festa brasileira.

No dia seguinte, tudo volta aos eixos. Ou melhor, quem sofreu até ali, pega é o coitado do Santo Antônio, para pagar a desforra. Amarra, afoga, cega, embrulha, põe o careca de cabeça pra baixo. Simpatias de Santo Antônio. Só correndo para tomar quentão – sem duplo sentido, por favor!

Assim estamos, novamente, sempre, atrás – me digam se estou errada – das tais esmolas emocionais. Que chegam em muchochos, embrulhinhos, sacolinhas, sempre com poucas joias, pouca sinceridade, e muitas evasivas. Como tudo está muito confuso e o esporte parece vale-tudo, as pessoas se subestimam entre si. E isso é imperdoável, e está listado entre os itens que considero mesmo como totalmente imperdoáveis. Quer manter minha fidelidade, quase canina? Não me subestime, nem subestime minha inteligência. Se pegar em flagrante é o fim. Há concessões, mas elas têm limites.

Pequenas mentiras, graças contidas, carinhos esquivos, insensata falta de sinceridade. Fingimentos. Tudo bem, se estiver bom para ambas as partes, como dizia aquele deputado apresentador. Sem essa de esperteza, de um lado só. Esmola deve ao menos ser visível, tinir quando cai sobre as outras, e que engana cegos. Abraços e beijos não podem ser implorados, muito menos reconhecimentos. Tenho pensado sobre isso, depois de ouvir e ler depoimentos do grupo Mada (Mulheres que Amam Demais Anônimas), depois de ler o livro "Eu que amo tanto”, da genial Marília Gabriela, treze desses depoimentos colhidos com sutileza pela autora, como todas nós, sempre vibrantes e dispostas a dar mais do que receber. Mulheres que gritam nas ruas, evocando seus próprios fantasmas.

Até o dia em que vemos, recordem, que há limites, sim. Para tudo nessa vida.

São Paulo, inferno astral, 2009.

Marli Gonçalves, jornalista. Não acredita mais em duendes, como a Xuxa. Sabe que o eterno é só enquanto dura. Mas acha que o bom viver e amar, seja de que forma for, bem que podia durar eternamente, sem trazer o peso da desilusão, que a tudo destrói e arrasa. Seria bom poder guardar o troco.

6 comentários:

  1. Que ótimo! Ler este artigo neste final de noite foi bem confortante, sabia? Precisamos nos livrar desta dependência. Mas como seria viver neste mundo sem amor? Aí entramos numa discussão que rende ainda mais polêmica não acha?
    Um grande beijo a minha amiga que é um luxo só!
    Bjão!!!!

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  2. Texto sensacional, Kyria!

    Ah... e obrigado pelo carinho!

    Beijãooo!

    Pedro Antônio - A TORRE MÁGICA - www.atorremagica.blogspot.com

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  3. A vida tem na simplicidade tem um jeito de sem querer enganar o desatento mas nem por isso perde seu encanto e oportunidade do grande saber... no gesto aquele que o resgata dando espaço dá também valor e o possibilita mais e melhor no exemplo que replicado também nos permitirá mais e melhor, gestos simples e tão exenciais a resumir um dos tesouros de uma vida e de seu bem viver, viva mais viva a vida e se permita cada vez mais em vida a nos ensinar viver, viva!!!
    Beijos e abraços a esta família que encontra no pilar o apoio de tudo, o centro e razão de um bem conduzir...

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  4. Oi Pri, acho que neste texto a autora se refere apenas ao amor "de verdade" que não precisa de aprovação, que é seguro, sem medo, confiante.Amor autônomo e independente, corajoso que nos ensina a caminhar sozinhos rumo ao Poder Maior. Bjs querida linda mamãe dos belos olhos verdes.

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  5. Pequenas esmolas. Pequenas atenções. Leves afagos para ir levando a vida. Abana o rabo aqui, dá a patinha, se finge de morto, senta, deita. Precisa falar mais?

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Obrigada por deixar o seu jeito.