O historiador Waldemar de Almeida Barbosa certa feita escreveu no excelente e hoje extinto DO Leitura (suplemento literário do Diário Oficial do Estado de São Paulo), que de todos os episódios da História do Brasil existem duas versões, a oficial, escrita por quem detém o poder no momento, e a versão documentada, defendida pela Universidade e pelos intelectuais. No caso da Inconfidência Mineira, efeméride comemorada hoje, passa-se o contrário: intelectuais desejosos de repudiar a versão oficial, a de um líder que se sacrificou pela utopia – o herói enlouquecido de esperança, como disse Tancredo Neves – acabaram resvalando para a versão da coroa portuguesa que fez de Tiradentes um pobre diabo pondo tudo a perder com suas indiscrições.
A Inconfidência Mineira foi, de fato, momento importante da nossa História, mas não o único sonho revolucionário que precedeu a Independência. Foi incluído entre nossas datas magnas – vem logo depois do Sete de Setembro – por conveniência política. Em 1873, quando se realizou a Convenção de Itu e recrudesceu a propaganda republicana, houve necessidade de se encontrar um mártir para sacralizar o movimento. O médico Pedro Bandeira de Gouveia propôs Tiradentes como personagem porque sua tragédia pessoal se ajustava ao papel pretendido: de origem humilde, irreprimível idealismo que o tornava imprudente na pregação política, foi o único a ser executado, em uma lista numerosa de políticos, juristas, mineradores e fazendeiros.
A sacralização, contudo, redundou em mitos que até hoje são objeto de incandescentes polêmicas. Há até quem manifeste a convicção de que o enforcamento de Tiradentes, apesar de os juízes terem ordem expressa da Coroa, de não condenar ninguém à morte, deveu-se a que não tinha dinheiro para subornar os juízes obter sentença mais leve.
Os fatos não confirmam a suspeita. A ordem da Coroa, de não condenar ninguém à morte, veio antes de se iniciar o processo e não era nenhuma benevolência. Todos sabiam que a Inconfidência Mineira não passava, como já disse alguém, de um piquenique de intelectuais. Falavam muito em República, em não pagar o imposto do ouro exigido pela Coroa lusitana, mas não passava disso. Ninguém tinha um projeto de revolução. Além de faltar meios materiais, não havia nem força nem disposição para fazer qualquer coisa.
Foi por acaso que Tiradentes entrou na conspiração, não para organizar o levante entre “as forças armadas” como já disse alguém. Viajava muito ao Rio de Janeiro, para conseguir a concessão do fornecimento de água à população carioca e vivia se gabando da fortuna e do consequente poder que ganharia se o seu projeto fosse aprovado.
Os inconfidentes viram no alferes o mensageiro ideal. As viagens frequentes, com objetivo conhecido, o tornariam insuspeito para levar mensagens secretas aos conspiradores do Rio de Janeiro. Só não contavam com a sua tagarelice. Ele acrescentava às suas jactâncias de poder, o tempo em que assumiria papel de relevância na nova República.
Essa é a conclusão que se tira dos depoimentos colhidos na Devassa, o processo que julgou os inconfidentes. Enquanto os demais buscavam atenuar sua culpa, Tiradentes percorreu caminho contrário. Gradativamente tomado por delírio de grandeza, o que fez Tancredo Neves chamá-lo de “herói enlouquecido de esperança”, assumiu a responsabilidade integral do movimento.
Foi seu passaporte para a História.
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