domingo, 5 de abril de 2009
PASSOS DE VIDA E PAIXÃO
No Domingo de Ramos vou reacender minha chama interna que insiste em tremular diante de tantas perdas. Vou enviar sinais de vida para meus irmãos de sangue e de afeto. Vou pegar ramos bentos para pôr debaixo do colchão, como fazia minha mãe, e eu nem sempre entendia. Ela voltava da missa com os ramos molhados de água benta e não hesitava em guardá-los até o próximo Domingo de Ramos, para espantar raios e maus olhados.
Na segunda-feira, dia de procissão de Nosso Senhor dos Passos, vou entregar minha cruz que vem pesando há tempos. Vou fazer as pazes com Deus e até rezar numa igreja. Vou olhar para os vitrais coloridos e fazer um exercício de perdão, ajoelhar em sinal de respeito e rezar Pai Nosso que estais no céu, perdoai nossos pecados. Vou tirar a cruz dos ombros de minhas irmãs, que até hoje choram a morte da mãe. Vou dar colo para Rosina, que vive enxergando a mãe nas nuvens do céu. Vou seguir os passos de Kátia, arrancar dela a luz do entusiasmo que insiste em se apagar. Vou ajudá-la a redescobrir seu Deus interno. Vou pegar nas mãos de Vera, minha irmã mais velha, e falar em ternura, deixá-la andar por todo o Bairro Cidade Nova, observando as quaresmeiras, como fazia sua mãe.
Na terça, é dia de procissão de Nossa Senhora das Dores, que tem punhais atravessados no coração pelo martírio do filho na via-crúcis. Vou dar colo para a leitora Eliana Zanforlin, que sente "a dor de entrar no quarto do filho que já morreu. Vou relembrar com a leitora, o calvário de Renato, de 26 anos, doutorando em matemática, filho único, órfão de pai desde os 3 anos, em cujo corpo repentinamente surgem hematomas que nunca mais desapareceriam. Diagnóstico: aplasia da medula. Internações, transfusões, exames e mais exames, hemorragias. Dia 9 de setembro - a morte nos braços da mãe. E as roupas, os livros, os móveis que chegaram do Rio - onde residia há dois anos? Como apagar os e-mails? E os telefonemas aos domingos? E o barulho da chave na porta? Dor compartilhada dói menos?", diz ela, entre uma via-crúcis e outra.
Na Procissão do Encontro, de quarta-feira, Nossa Senhora das Dores se encontra com o filho, para que eu possa falar de outros encontros e desencontros. Vou reeditar a amizade que anda perdida por aí e encontrar-me com os velhos e novos amigos. Vou aproveitar para mandar lembranças a Vera, Celeste, Virgínia e dizer a Mariângela, lá em Sete Lagoas, que um país chamado Brasil é um lugar encantado, que não só dá para viver como lutar por ele. Que, apesar da desesperança, o verde e amarelo ainda correm solto nas veias.
Na quinta feira, vou dizer que não dá mais para lavar as mãos diante de tanta mediocridade. Vou me ajoelhar diante de santos pouco ortodoxos, como a gente encontra pelas ruas. São pessoas simples, que nos dão lições de vida a todo instante. São pessoas que passam por nós e a gente não as reconhece, porque não têm poder nem fazem questão de ter. São pessoas comuns, como o pedreiro Wilson, que tem o dom de consertar a casa da gente, e o eletricista Waldeci, que liga e religa nossos pontos perdidos. Vou me ajoelhar diante do senhor que todos os dias passeia com um cão muito velho, ambos no mesmo passo.
Na Sexta Feira da Paixão, vou enterrar todas as mágoas, angústias, todo o desespero. Afinal, não foi por nós que Ele morreu pregado na cruz? Na procissão do enterro, vou sepultar o ódio, a violência, a dor de todo dia, o martírio de todas as mulheres que ainda sofrem por seus filhos.
No Sábado santo, vou continuar dizendo aleluia, mesmo que já não se use mais a expressão. É dia de alegria queimar os judas da vida, de deixar de negar nossas fraquezas, dúvidas e pecados. É dia de abraçar os filhos, os conhecidos, os estranhos que passam por você. É dia de dar bom dia a todos indistintamente.
Mas é no Domingo da Ressureição que eu vou recomeçar de novo. Muito mais do que no primeiro dia de 2009 é na Páscoa que vou me lambuzar de esperança, de sonhos e novos projetos de vida, para lembrar que estou viva e ressurgi das cinzas. Vou cantar com a Mercedes de Sosa: " No si entregue corazón libre".
Fonte: Estado de Minas em 06/04/2009 - Déa Januzzi - dea.januzzi@uai.com.br
BOA SEMANA PARA TODOS
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Querida...
ResponderExcluirSeu post fala direto ao coração...tambem preciso sepultar sentimentos negativos, queimar os judas que insistem permanecer nas nossas vida e finalmente deixar renascer as esperanças e se abrir para uma nova vida...
" Eis que faço nova todas as coisas"
Bjos!!!!!
Oi amiga!
ResponderExcluirlindo demais! Depois de ler esse texto não tem como deixar de refletir e tomar atitutes nesta semana!
bjk
Amiga!
ResponderExcluirMe ajude a ganhar a minha Dijean.
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Por favor!!
bj
Lindo!!!
ResponderExcluirFaz nos refletir e lembrar:podemos começar de novo...
Um beijo no coração.
Fátima
Kyria,
ResponderExcluirQue texto mais lindo!!
Você sempre escolhe sábias palavras para nos presentear...boa semana!
beijosss
Sem problemas...
ResponderExcluirEDNA