terça-feira, 28 de abril de 2009

ONDE A LUA FAZ CLARÃO / Orlando Eller









Recente eclipse da lua por inteiro, que tanto admirei madrugada adentro, levou-me a ter certeza de que o nosso desprezo pela natureza é muito maior que o revelam as mazelas que lhe impusemos até hoje, desde o Gênesis.

Há especialmente mais em vigor do que o cruel exercício das culturas antifloresta e antibicho em meio às tênues entrelinhas que descrevem a miudeza de nossa relação com a natureza. Trata-se de um antigo mas revigorado, crescente e igualmente perigoso desinteresse pelas coisas simples, por importantes que sejam, debaixo dos nossos pés e acima das nossas cabeças.

Neste confronto predatório em que bilhões marcham atônitos em busca de sobrevivência, grande parte deles armada de mortíferas tecnologias, não há mais no coração de muita gente um lugar especialmente reservado para a lua ou para o riacho. Nem mesmo se as razões determinantes forem uma deferência ao desconhecido fora de alcance e do domínio da gente.

Porque o luar, a mata fechada e o regato que desliza transparente em mil meandros são absolutamente vitais em qualquer cantinho do planeta, do vale do Guaíba ao vale Ganges.

Lá na beira da mata onde fui menino, vi que meu pai tinha a lua certa para cortar árvores cuja madeira seria empregada em construções, como casas, tulhas, cercas, porteiras e demais utilidades. Eram a minguante ou a nova. Porque madeira colhida em lua crescente ou cheia era severamente atacada por carunchos, cupins e outros bichinhos.

Hoje ninguém mais cultiva o hábito. A madeira-de-lei, mais escassa a cada dia, já recebe uma carga vigorosa de veneno e, assim, deixa de ser celulose comestível, matéria útil da biodiversidade.

Eclipses, principalmente estes de lua inteira, eram vigiados por muitos homens da lavoura em seus almanaques. É que, acreditavam eles, toda roça de feijão fotografada pelo fenômeno amarelava logo, melava e não produzia. E, para preservar incólume o feijoal, eles distribuíam nele, aleatoriamente sobre tocos de árvores, garrafas brancas cheias de água.

Infelizmente, ninguém lhes disse e nem lhes passou pela cabeça que tão importante quanto a lua e seus fenômenos também eram e continuam sendo a terra, a floresta, o caititu, o pintassilgo, o arroio, o brejo, o sapo e todas as particularidades da biodiversidade com a sua intrínseca interdependência com a vida dos homens.

Por lindo que foi naquele dia, o eclipse remeteu-me a um tempo em que, enquanto se fazia roça a machado e fogo, a molecada matava passarinhos com setas e bodoques. Eu matei centenas deles e não posso mais desfazer o estrago que fiz.

Pena que, como naquele tempo, ainda hoje se faz assim, fortemente, intensamente, numa corrida em que, como o pecado, não haverá mais volta, a não ser que todos se penitenciem e, em comunhão estratégica, se tomem de vontade, mudem seus hábitos de vida, simples que sejam, e se resguardem, pela preservação da natureza, da dizimação coletiva.

Em alguns países, a intensidade da luz do sol já não é mais a mesma de poucos anos atrás. A estufa que esquenta tudo é a mesma que escurece o planeta. Este eclipse que tanto admirei com certeza não revelou a mesma beleza intensa e viva, a mesma vida e a mesma cor que tinha um outro, o que eu vi há cinquenta anos, quando ainda vivia na roça.

Agora, na plena esperança de que haverá comunhão objetiva para salvar a vida na Terra, a sua, a minha, a dos passarinhos, a das flores, a das minhocas e a dos grilos, ficarei aguardando o eclipse de uma próxima lua cheia, já marcado para o ano que vem.

Fonte: www.jaymecopstein.com.br
Orlando Eller é escritor e jornalista. Capixaba de nascimento, hoje vivendo de novo no Espírito Santo. Militou no velho Correio do Porto Alegre (RS) e encerrou sua carreira na Rádio Gazeta de Vitória (ES).

Um comentário:

  1. WAL...
    OS TEXTOS POSTADOS AQUI SÃO DE UMA RIQUEZA IMENSA. SINTO PRAZER EM FAZER-TE VISITAS!

    ResponderExcluir

Obrigada por deixar o seu jeito.