quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

UM HOMEM, UMA MULHER, UM BATOM



Nem mesmo quando a moça de saia vermelha cutucou o braço da amiga ao lado ele se perturbou. Continuou impassível, barriga encostada no balcão, o rosto de pedra a fitar um horizonte imaginário, muito além das prateleiras e mostruários que ocupavam o espaço físico à sua frente.

Nem mesmo os cochichos e risinhos mal abafados abalaram o fluxo dos seus pensamentos. Permaneceu solitariamente cercado pelas moças, senhoras, atendentes, meias, cosméticos, espelhos e, embora habitasse agora uma das galáxias do universo feminino, não se sentia desconfortável ali.

Nem mesmo as perguntas que a balconista metralhava simpaticamente conseguiam afastar a imagem da mulher que dominava a atenção de sua mente. Simplesmente deixava que flashes dos momentos que partilharam povoassem suas memórias, invadissem escandalosamente suas defesas, arrasassem a sua racionalidade.

Percorria um corredor íntimo, conhecido só pelas pessoas que se amam. Ia encontrando secretamente aquele perfume de adolescente, aquele corpo inviolado pelos anos, aquela sutil sensualidade irresistivelmente ingênua. Aqueles encantos, que só ele desfrutava naquele particular pedaço do tempo, inundavam completamente o homem em que ele se transformara agora.

O fato de ser casado com outra mulher não o incomodava nem um pouco; nem conseguia dissipar uma única molécula do sentimento que uma menina de quinze anos despertara nele - homem talhado num tempo que lhe parecia cada vez mais remoto. E talvez não fosse capaz de compreender, e ele já se conformara com isso, a impossibilidade de cativar perpetuamente aquele ser que ele tanto amava. Muito menos admitir que essa mulher um dia encontrasse um homem mais jovem, mais adaptado, menos jurássico. Assim é a vida. Os velhos vão; os novos vêm.

Movimentava-se automaticamente, recolhendo o embrulho; agradecendo à balconista; guardando o troco; cruzando a cidade dentro do seu carro; virando a chave na fechadura da porta de sua casa; essas atividades mundanas ele deixava para os ossos, músculos e alguns nervos mais subalternos. O melhor de si ele deixava para outras coisas mais importantes da vida, representadas no sorriso da boca de sua filha, enfeitada pelo batom que ele comprara.


fonte: www.Jaymecopstein.com.br



Ricardo Lisboa Pegorini -1º lugar no 3º Concurso Literário Mario Quintana (2007), do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no RS Sintrajufe/Rio Grande do Sul.

2 comentários:

  1. Kyria , obrigada pela visita ao meu blog, vim retribuir. Tb agradecer de vc ter me colocado na sua lista , já vou retribuir e colocar seu blog na minha tb, bjs Leila

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  2. Oi,Bruxinha, fiquei muito feliz em ver meu texto no teu blog. Muito obrigado. Queria agradecer à Kyria também, sabes como?

    Grande abraço

    Ricardo L. Pegorini

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Obrigada por deixar o seu jeito.