domingo, 4 de janeiro de 2009

SHIUUU...


Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar...Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que...Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.

E preciso também não ter filosofia nenhuma.

Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.

Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.

Parafraseo o Roberto Caeiro:
Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.

É preciso também que haja silêncio dentro da alma.

Daí a dificuldade:

A gente não aguenta ouvir o que diz o outro sem logo dar um palpite melhor...

Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.

Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...

E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.

Nossa capacidade de ouvir e a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.

No fundo,somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino,que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.
Contou-me de sua expereriência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala.

Há um longo, longo silêncio.

Vejam a semelhança...

Os pianistas,por exemplo, antes de inciar um concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio,

Abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as idéias estranhas,

Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente alguém fala.

Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.

Falar logo em seguida seria um grande desrespeito,pois o outro falou seus pensamentos...

Pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos.É preciso tempo para entender o que o outro falou.

Se eu falar logo a seguir...São duas as possibilidades.
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.

Na verdade não ouvi o que o outro falou.

Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua(tola)fala.

Falo como se você não tivesse falado.

Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo.

É coisa velha para mim.Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.

Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.

O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.

E, assim vai a reunião.

Não basta o silêncio de fora.É preciso silêncio dentro.Ausência de pensamentos.

E aí , quando se faz o silêncio dentro,a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

Eu comecei a ouvir.

Fernando Pessoa conhecia a experiência...

E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... no lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio.A alma é uma catedral submersa.

No fundo do mar - quem mergulha sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.

Aí, livre dos ruídos dos falatórios e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia...

Que de tão linda nos faz chorar.

Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio.

Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.

Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam como num contraponto.



fonte: Escutatória/ Rubem Alves

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