terça-feira, 30 de março de 2010

O REI E OS DOIS PINTORES

Folclore judaico
 

O rei de certo país mandara construir o mais belo palácio de que se tinha notícia. Quando ficou pronto, o rei quis decorar as paredes dos salões com pinturas das paisagens do seu reino. Havia no reino dois pintores famosos pelo talento. Sem saber qual deles seria o melhor para o que desejava, o rei chamou os dois e lhes ordenou que pintassem, cada um, uma parede de um dos imensos corredores do palácio. Entre os dois, o rei mandou colocar uma pesada cortina que impedia um de ver o trabalho do outro.

O rei disse aos pintores: “Têm três meses para pintar uma paisagem, cada qual na parede que lhe tocou. Escolherei a que mais me agradar e o autor será encarregado de decorar o resto das paredes do palácio, recebendo uma bolsa cheia de ouro e de joias.”

Um dos artistas, talentoso e trabalhador, começou logo a pintar. Dormia muito pouco, comia quase nada das iguarias que os criados do rei lhe ofereciam. Devotou-se tpor inteiro ao trabalho.

O outro, malandrão, acordava tarde e passava o resto do dia refastelado, bebendo dos melhores vinhos das adegas do rei e comendo o que de melhor lhe serviam. Não levantava um pincel uma vez que fosse. Quando ouvia o colega trabalhar, dava risada: “Que otário, está no palácio e nem goza oesta dádiva, ele murmurava.

Passou-se o tempo assim, um pintando dia e noite, o outro nada fazendo, só comendo e bebendo. Quando só faltava três dias para terminar o prazo dado pelo rei, o pintor malandro acordou no meio da noite com medo do que poudesse acontecer. Passou dois dias “bolando” um plano. Na véspera do grande dia teve a ideia: pintou a parede inteira de preto e depois passou por cima várias camadas de verniz até que brilhasse como um espelho

No dia seguinte, o rei veio conferir o trabalho com sua corte. Olhando para a primeira metade do corredor, ficou maravilhado com o trabalho do pintor trabalhador. Em cores vibrantes, o artista reproduzira fielmente a paisagem em torno do palácio. “Jamais vi algo tão perfeito. Quase ouço os pássaros cantar. E as flores, então… só falta o aroma”, disse o rei, maravilhado.

Depois de alguns minutos contemplando a pintura, o rei ordenou que fosse retirada a cortina, para ver a obra do outro pintor. Para espanto de todos, a segunda parede era exatamente igual à primeira. Cópia perfeita, com todos os traços e pinceladas: as mesmas árvores, os mesmos pássaros, os mesmos canteiros floridos. “Como é possível?”, perguntavam os cortesão que acompanhavam o rei.

Mas o rei logo percebeu o logro porque tudo estava invertido. Sorriu com condescendência e pôs a prometida bolsa de ouro e joias junto à parede pintada de verdade. No mesmo momento, outra bolsa igual apareceu no outro lado, fazendo com que todos percebessem que se tratava de simples reflexo.

Então o rei declarou: “Cada qual vai receber o prêmio que merece. Que se aproximem cada um da parede que pintou e recolha o que lhe pertence”. 


Fonte: jaymecopstein.com.br

segunda-feira, 29 de março de 2010

QUE VOS DARIA? - Luiz Delfino

Se tiverdes um dia um capricho, senhora,
Um capricho, um delírio, uma vontade enfim,
Não exijas o carro azul que monta a Aurora
Nem da estrela da tarde o plaustro de marfim;

Nem o mar, que murmura e aí vai por mar em fora
Nem o céu d'outros céus, elos de céu sem fim,
Que se isso fosse meu, já vosso, há muito, fôra.
Fôra vosso o que é grande e anda em torno de mim...

Mostrásseis num só gesto ingênuo, um só desejo...
O universo que vejo e os outros que não vejo
Sofreriam por vós vosso último desdém.

Que faríeis dos sóis, grãos vis de areias d'ouro
Mulher! Pedi-me um beijo e vereis o tesouro
Que um beijo encerra e o amor que um coração contém.

domingo, 28 de março de 2010

RETORNO DA COQUELUCHE - Ellen Cristie

Médicos, autoridades e profissionais de saúde estão preocupados com o crescimento da coqueluche em toda a América Latina. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a estimativa é de que ao ano ocorram mais de 40 milhões de casos em todo o mundo, com 200 mil a 300 mil óbitos. Nos países latino-americanos, o número de casos triplicou nos últimos cinco anos, o que também tem preocupado entidades como o Unicef. O tema foi discutido durante o 14º Congresso Internacional de Doenças Infecciosas (ICID), em Miami, nos Estados Unidos.

Doença contagiosa, transmitida pela bactéria Bordetella Pertussis, a coqueluche se caracteriza por uma tosse leve, moderada ou severa, e persistente, que o paciente apresenta, podendo ocorrer até em espasmos com duração de 30 minutos ininterruptos. No caso dos adultos, algumas manifestações se diferem das crianças, como a tosse crônica por mais de 10 dias.

Segundo Ângela Gentile, chefe do Departamento de Epidemiologia do Hospital Infantil Ricardo Gutiérrez, de Buenos Aires, na Argentina, o contágio é muito comum – em 90% dos casos – entre familiares. “O problema é que muitas pessoas associam a coqueluche a doenças de criança. Só que agora esse perfil mudou”, embora a situação mais grave seja registrada em bebês menores de 1 ano e, ainda em maior grau, em recém-nascidos de até 2 meses.

O infectologista Hugo Paganini, do Serviço de Controle Epidemiológico e de Infectologia do Hospital de Pediatria Professor Dr. Juan P. Garrahan, em Buenos Aires, na Argentina, ressalta a importância da vacinação contra a coqueluche, que inclui doses aos 2, 4 e 6 meses de vida e um reforço aos 15 meses. No entanto, Paganini alerta para o prazo de validade da vacina: "a imunidade dura, em média, entre cinco e oito anos”, comenta.

Entre as consequências da coqueluche, estão complicações como pneumonia, já que a infecção pode chegar aos pulmões e tornar-se ainda mais grave, e a encefalite, que provoca inflamação no cérebro, com consequências graves, como febres muito altas, convulsões e até perda de consciência.

Intervalos - Com receita médica, é possível ser vacinado em qualquer idade, mas isso não significa que quem já foi vacinado não possa vir a ter a doença. O ideal é que a reaplicação das doses ocorra em intervalos de 10 anos, mesmo que o paciente seja adulto e tenha sido vacinado quando criança.

Tina Tan, médica do Departamento de Enfermidades Infecciosas do Children´s Memorial Hospital, de Chicago, no Illinois (EUA), diz que a previsão é de que o número de doentes dobre nos próximos 20 anos:“ é muito importante a vacinação de adolescentes e adultos, porque são eles os transmissores para os bebês, quanto às mulheres, o mais indicado é que elas sejam vacinadas antes da gestação ou durante o puerpério, antes mesmo de sair do hospital".

250 mil mortes por ano estão relacionadas a essa doença.

18 milhões de casos de coqueluche são registrados por ano, segundo dados da Organização Mundial de Saúde.

Bordetella Pertussis  -  Também chamada de tosse espasmódica ou tosse comprida, é uma doença contagiosa, transmitida pela bactéria Bordetella Pertussis de pessoa a pessoa por meio do contato direto com a mucosa ou gotículas respiratórias provenientes do nariz ou da garganta de pessoas infectadas. Qualquer indivíduo pode ser contaminado – recém-nascidos, adultos e idosos –, mas a gravidade é maior nos bebês com menos de 1 ano.

Transmissão - Frequentemente, os irmãos mais velhos podem estar hospedando a bactéria no nariz e/ou na garganta, contagiando os irmãos mais novos. Em praticamente metade dos casos, os pais é que contagiam seus filhos.

Sintomas  -  Eles se apresentam de 7 a 10 dias depois do contágio e podem durar até oito semanas.
  - tosse persistente com ataques que podem durar até 30 minutos e várias vezes ao dia
  - dificuldade para respirar
  - vômito
  - respiração que provoca “guinchos” no peito

Nos bebês:

  -  falta de ar
  - pele azulada (cianose)

Consequências se não for tratada:
  - pneumonia
  - encefalite

Prevenção:

  - vacinas e reforços (para bebês e adultos)


Fonte: Estado de Minas 28/03/2010

sábado, 27 de março de 2010

O SENHOR DIABO - Eça de Queiroz



Conhecem o Diabo?

Não serei eu quem lhes conte a vida dele. E, todavia, sei de cor a sua legenda trágica, luminosa, celeste, grotesca e suave!

O Diabo é a figura mais dramática da História da Alma. A sua vida é a grande aventura do Mal. Foi ele que inventou os enfeites que enlanguescem a alma, e as armas que ensangüentam o corpo. E, todavia, em certos momentos da história, o Diabo é o representante imenso do direito humano. Quer a liberdade, a fecundidade, a força, a lei. É então uma espécie de Pã sinistro, onde rugem as fundas rebeliões da Natureza. Combate o sacerdócio e a virgindade; aconselha a Cristo que viva, e aos místicos que entrem na humanidade.

É incompreensível: tortura os santos e defende a Igreja. No século 16 é o maior zelador da colheita dos dízimos.

É envenenador e estrangulador. É impostor, tirano, vaidoso e traidor. Todavia, conspira contra os imperadores da Alemanha; consulta Aristóteles e Santo Agostinho, e suplicia Judas que vendeu Cristo e Bruto que apunhalou César.

O Diabo ao mesmo tempo tem uma tristeza imensa e doce. Tem talvez nostalgia do Céu!

Ainda novo, quando os astros lhe chamavam Lúcifer, o que leva a luz, revolta-se contra Jeová e comanda uma grande batalha entre as nuvens. Depois tenta Eva, engana o profeta Daniel, apupa Jó, tortura Sara e em Babilônia é jogador, palhaço, difamador, libertino e carrasco. Quando os deuses foram exilados, ele acampa com eles nas florestas úmidas da Gália e embarca expedições olímpicas nos navios do imperador Constâncio. Cheio de medo diante dos olhos tristes de Jesus, vem torturar os monges do Ocidente.

Escarnecia S. Macário, cantava salmos na igreja de Alexandria, oferecia ramos de cravos a Santa Pelágia, roubava as galinhas do abade de Cluny, espicaçava os olhos de S. Sulpício e à noite vinha, cansado e empoeirado, bater à portaria do convento dos dominicanos em Florença e ia dormir na cela de Savonarola.

Estudava o hebreu, discutia com Lutero, anotava glosas para Calvino, lia atentamente a Bíblia e vinha ao anoitecer para as encruzilhadas da Alemanha jogar, com os frades mendicantes, sentados na relva, sobre a sela do seu cavalo. Intentava processos contra a Virgem; e era o pontífice da missa negra, depois de ter inspirado os juízes de Sócrates.

Nos seus velhos dias, ele que tinha discutido com Átila planos de batalha, deu-se ao pecado da gula. E Rabelais, quando o viu assim, fatigado, engelhado, calvo, gordo e sonolento, apupou-o. Então o demonógrafo Wier escreve contra ele panfletos sanguinolentos e Voltaire criva-o de epigramas.

O Diabo sorri, olha em roda de si para os calvários desertos, escreve suas memórias e num dia enevoado, depois de ter dito adeus aos seus velhos camaradas, os astros, morre enfastiado e silencioso. Então Ceranger escreve-lhe o epitáfio.

O Diabo foi celebrado, na sua morte, pelos sábios e pelos poetas. Proclus ensinou a sua substância, Presul as suas aventuras da noite, S. Tomás revelou seu destino. Torquemada disse a sua maldade, e Pedro de Lancre a sua inconstância jovial. João Dique escreveu sobre sua eloqüência e Jacques I de Inglaterra fez a corografia de seus estados. Milton disse a sua beleza e Dante a sua tragédia. Os monges ergueram-lhe estátuas. O seu sepulcro é a Natureza.

O Diabo amou muito. Foi namorado gentil, marido, pai de gerações sinistras. Foi querido, na Antigüidade, da mãe de César e na Meia Idade foi amado da bela Olímpia. Casou no Brabante com a filha de um mercador. Tinha entrevistas lânguidas com Fredegonda, que assassinou duas gerações. Era o namorado das frescas serenatas das mulheres dos mercadores de Veneza.

Escrevia melancolicamente às monjas dos conventos da Alemanha. Feminae in illius amore delectantur, diz tragicamente o abade César de Helenbach. No século 12, tentava com olhares cheios de sol as mães melodramáticas dos Burgraves. Na Escócia havia grande miséria sobre os montes: o Diabo comprava por 15 shillings o amor das mulheres dos highlanders e pagava com o dinheiro falso que fabricava em companhia de Filipe I, de Luís VI, de Luís VII, de Filipe, o Belo, do rei João, de Luís XI, de Henrique II; com o mesmo cobre de que se faziam as caldeiras onde eram cozidos vivos os moedeiros falsos.

Mas eu quero só contar a história de um amor infeliz do Diabo, nas terras do Norte.

Ó mulheres! Vós todas que tendes dentro do peito o mal que nada cura, nem os simples, nem os bálsamos, nem os orvalhos, nem as rezas, nem o pranto, nem o sol, nem a morte, vinde ouvir essa história florida!

Era na Alemanha, onde nasce a flor do absinto. A casa era de pau, bordada, rendilhada, cinzelada, como a sobrepeliz do senhor arcebispo de Ulm. Maria, clara e loura, fiava na varanda, cheia de vasos, de trepadeiras, de ramagens, de pombas e de sol. No fundo da varanda havia um Cristo de marfim. As plantas limpavam piedosamente com as suas mãos de folhas, o sangue das chagas, as pombas, com o calor do seu colo, aqueciam os pés doloridos. No fundo da casa, o pai dela, o velho, bebia a cerveja de Heidelberg, os vinhos da Itália, e as cidras da Dinamarca. Era vaidoso, gordo, sonolento e mau.

E sempre a rapariga fiava. Preso à roca por um fio branco, sempre o fuso saltava; preso ao seu coração por uma tristeza, sempre pulava um desejo.

E todo o dia fiava.

Ora debaixo da varanda passava um lindo moço, delicado, melodioso e tímido. Vinha e encostava-se ao pilar fronteiro. Ela, sentada junto ao crucifixo, cobria os pés de Jesus com os seus grandes cabelos louros. As plantas, as folhagens, em cima, cobriam de frescura e de sombra a cabeça da imagem. Parecia que toda a alma de Cristo estava ali - consolando, em cima, sob a forma de planta, amando, em baixo, sob a forma de mulher.


Ele, o branco moço, era o peregrino daquela santa. E o seu olhar procurava sempre o coração da doce rapariga e o olhar dela, séria e branca, ia procurar a alma do caro bem-amado. Os olhos investigavam as almas. E vinham radiosos, como mensageiros de luz, contar o que tinham visto: era um encanto!

- Se tu soubesses! - dizia um olhar. - A alma dela é imaculada.

- Se tu visses! - dizia o outro. - O coração dele é sereno, forte e vermelho.

- É consolador, aquele peito onde há estrelas!

- É purificador, aquele seio onde há bênçãos!

E olhavam ambos, silenciosos, extáticos, perfeitos. E a cidade vivia, as árvores rosnavam sob o balcão dos eleitores, a trompa de caça soava nas torres, os cantos dos peregrinos nas estradas, os santos liam nos seus nichos, os diabos escarneciam na grimpa das igrejas, as amendoeiras tinham flor e o Reno cantigas de ceifeiras. E eles olhavam-se, as folhagens aninhavam os sonhos, e Cristo aninhava as almas.

Ora, uma tarde, as ogivas estavam radiosas como mitras de arcebispos, o ar estava meigo, o sol descido, os santos de pedra estavam corados, ou dos reflexos da luz, ou dos desejos da vida. Maria na varanda fiava a sua estriga. Jusel, encostado ao pilar, fiava os seus desejos.

Então, no silêncio, ao longe, ouviram gemer a guitarra de Inspruck que os pastores de Helyberg enroscam de hera, e uma voz robusta cantar:

Os teus olhos, bem-amada, / São duas noites cerradas. E por aí vai...

E ao cimo da rua apareceu um homem forte, de uma bela palidez de mármore. Tinha os olhos negros como dois sóis legendários do país do Mal. Negros eram os cabelos, poderosos e resplandecentes. Tinha presa ao peito do corpete uma flor vermelha de cacto. Atrás vinha um pajem perfeito como uma das antigas estátuas que fizeram da Grécia a lenda da beleza. Andava convulsivamente como se ferisse os pés no lajedo. Tinha os olhos inertes e fixos dos Apolos de mármore. Dos seus vestidos saía um cheiro de ambrosia. A testa era triste e serena como as dos que têm a saudade imortal de uma pátria perdida. Trazia na mão uma ânfora esculpida em Mileto, onde se sentia a suavidade dos néctares olímpicos.

O homem da palidez de mármore veio até junto a varanda e, entre as súplicas gemidas da guitarra, disse sonoramente:

- A gentil moça, a linda Yseult da varanda, deixa que estes beiços de homem vão, como dois peregrinos corados de sol, em doce romaria de amor, das suas mãos ao seu colo?

E olhando para Jusel, que desfolhava uma margarida, cantou lentamente, com grandes risadas frias e metálicas:

Quem depena um rouxinol / E rasga uma triste flor,
Mostra que dentro do peito / Só tem farrapos de amor.


E ergueu para a varanda os seus olhos terríveis e desoladores, como blasfêmias de luz.

Maria tinha levantado a sua roca e só havia na varanda as aves, as flores e Jesus.

- A toutinegra voou - disse jovialmente. E indo para Jusel:

- É que talvez sentisse a vizinhança do abutre. Que diz o Bacharel?

Jusel, com os olhos serenos, desfolhava a margarida.

- No meu tempo, senhor Suspiro - disse o homem dos olhos negros, cruzando lentamente os braços - já havia aqui duas espadas, a fazer rebentar na sombra flores de faíscas. Mas os heróis vão-se, e os homens nascem cada vez mais da dor das mulheres. Vejam isso! É um coração com gibão e gorra. Mas coração branco, pardo, alvacento, de todas as cores, menos vermelho e sólido. Pois bem! Aquela rapariga tem uns cabelos louros que dizem bem com os meus cabelos pretos. As cintas delgadas querem braços fortes. Os lábios vermelhos de desejam gostam as armas vermelhas de sangue. É minha a dama, senhor Bacharel!

Justel tinha descido as suas grandes pálpebras elegíacas e via as pétalas arrancadas da margarida caírem como desejos assassinados, desprendidos do seu peito.

O homem dos olhos resplandecentes tomou-lhe rigidamente a mão.

- Bacharel Ternura - disse - há aqui perto um lugar onde os goivos nascem expressamente para os inocentes que morrem. Se tens alguns bens a deixar, recomendo-te este excelente Rabil.

- Era o pajem. - É necessário proteger as aves da noite. Os abutres bocejam desde que findou a guerra. Vou-lhes dar ossos tenros. Se queres deixar o coração à bem-amada, à moda dos trovadores, eu me encarrego de lho trazer, bem embalsamado, em lama, na ponta da espada. Tu és formoso, amado, branco, delicado, perfeito. Vê-me isto, Rabil. É uma farsa bem feita ao Compadre lá de cima dos sóis, dilacerar-lhe esta beleza! Se namoravas alguma estrela, eu lhe mandarei por bom portador os teus últimos adeuses. Enquanto aos sacramentos, são inúteis; eu me encarrego de te purificar pelo fogo. Rabil, toca na guitarra o rondó de defuntos: anuncia no Inferno, o Bacharel Suspiro! A caminho, meus filhos! Ah! Mas em duelo secreto, armas honradas!

E batendo heroicamente nos copos da espada:

- Eu tenho aqui esta debilidade, onde está a tua força?

- Ali! - respondeu Jusel, mostrando Cristo na varanda, entre a folhagem, agonizante entre as palpitações das asas.

- Ah! - disse cavamente o homem da flor de cacto. A mim, Rabil! Lembras-te de Actéon, de Apolo, de Derceto, de Íaco e de Marte?

- Eram os meus irmãos - disse lentamente o pajem, hirto como uma figura de pedra.

- Pois bem, Rabil, para a frente, através da noite. Cheira-me aqui às terras de Jerusalém.

Na noite seguinte havia pela Alemanha um grande luar purificador. Maria estava debruçada na varanda. Era a hora celeste em que os jasmins concebem. Em baixo, o olhar de Jusel, que estava encostado ao pilar, suspirava para aquele corpo feminino e branco, como nos jardins a água que sobe em repuxo suspira para o azul.

Maria disse suspiradamente:

- Vem.

Jusel subiu à varanda, radioso. Sentaram-se ao pé da imagem. O ar estava tão sereno como na pátria das armas. Os dois corpos dobraram-se, um para o outro, como se estivessem aproximando os braços de um Deus. As folhagens escuras que envolviam Cristo estendiam-se sobre as duas cabeças louras com gestos de bênção. Havia na moleza das sombras um mistério nupcial. Jusel tinha as mãos dela presas como pássaros cativos e dizia:

- Queria bem ver-te, assim, ao pé de mim. Se soubesses! Tenho receios infinitos. És tão loura, tão branca! Tive um sonho que me assustou. Era num campo. Tu estavas de pé, imóvel. Ouviu-se um coro que cantava dentro do teu coração! Em redor andava uma dança nebulosa de espíritos. E diziam uns: "Aquele coro é dos mortos: são os amantes infelizes que choram no coração daquela mulheres." Outros diziam: "Sim, aquele coro é de mortos: são os nossos deuses queridos que choram ali no exílio." E então adiantei-me e disse: "Sim, aquele coro é dos mortos, são os desejos que ela teve por mim, que se lembram e que gemem." Que sonho tão mau, tão mau!

- Por que estás tu - dizia ela - todos os dias encostado ao pilar, com as mãos quase postas?

- Estou a ler as cartas de luz que os teus olhos me escrevem.

Calaram-se. Eles eram naquele momento alma florida da noite.

- Quais são os meus olhos? Quais são os teus olhos? Dizia Jusel. - Nem eu sei!

E ficaram calados. Ela sentia os desejos que se desprendiam dos olhos dele, virem, como pássaros feridos, que gemem, cair no fundo da sua alma, sonoramente.

E inclinando o corpo:

- Conheces meu pai? - disse ela.

- Não. Que importa?

- Ai, se tu soubesses!

- Que importa? Estou aqui. Se ele te quer bem, há de gostar deste meu amor, sempre aos teus pés, como um cão. És uma santa. Os cabelos de Jesus nascem do teu coração. O que quero eu? Ter a tua alma presa, bem presa, como um pássaro esquivo. Esta paixão toda, deixa-te tão imaculada, que se morresses podias ser enterrada na transparência do azul. Os desejos são uma hera: queres que os arranque? Tu és o pretexto da minha alma. Se me não quisesses deixavas me andar esfarrapado. Tens lá a fé de Jesus e a saudade de tua mãe; deixa estar: damo-nos todos bem, lá dentro, contemplando o interior do teu olhar, como um céu estrelado. Que quero de ti? As tuas penas. Quando chorares, vem a mim. Farei a alma em farrapos para tu limpares os olhos. Queres tu? Casemo-nos no coração de Jesus. Dá-me essa agulheta, que te prende o cabelo. Será a nossa estola.

E com a ponta da agulheta, gravou sobre o peito de Cristo as letras dos dois nomes enlaçadas - J. e M.

- É o nosso noivado - disse ele. O céu atira-nos os astros, confeitos de luz. Cristo não se esquecerá deste amor que chora aos seus pés. As exalações divinas que saírem do seu peito aparecerão, lá em cima, com a forma das nossas letras. Deus saberá este segredo. Que importa? Eu já lho tinha dito, a ele, às estrelas, às plantas, aos pássaros, porque, vês tu? As flores, as constelações, a graça, as pombas, tudo isso, toda esta efusão de bondade, de inocência, de graça, era simplesmente, ó adorada, um eterno bilhete de amor que eu te escrevia.

E ajoelhados, extáticos, calados, sentiam misturar-se ao seu coração, às suas confidências, aos seus desejos, toda a vaga e imensa bondade da religião da graça. E as suas almas falavam cheias de mistério.

- Vês tu? - dizia a alma dela - Quando te vejo, parece que Deus diminui, e se contrai, e se vem aninhar todo no teu coração; quando penso em ti, parece-me que o teu coração se alarga, se estende, abrange o céu, e os universos, e encerra por toda a parte Deus!

- O meu coração - suspirava a alma dele - é uma concha. O teu amor é o mar. Muito tempo esta concha viverá afogada e perdida neste mar. Mas se tu expulsares de ti, como numa concha abandonada se ouve ainda o rumor do mar, no meu coração abandonado se escutará sempre o sussurro do meu amor!

- Olha - dizia a alma dela - eu sou como um campo. Tenho árvores e relvas. O que há em mim de maternidade é árvore para te cobrir, o que há em mim de paixão é relva para tu pisares!

- Sabes tu? - dizia a alma dele - No céu há uma floresta invisível de que apenas se vêem as pontas das raízes que são as estrelas. Tu eras a toutinegra daqueles arvoredos. Os meus desejos feriram-te. Eu, há muito que te vejo vir caindo pelo ar, gemendo, resplandecente, se o sol te alumia, triste, se a chuva te molha. Há muito que te vejo descendo - quando cairás tu nos meus braços?

E a alma dela dizia: "Cala-te". Não falavam. E as duas almas, desprendidas dos corpos bem-amados, subiam, tinham o céu por elemento, os seus risos eram os astros, a sua tristeza a noite, a sua esperança a madrugada, o seu amor a vida, e sempre mais ternas e mais vastas envolviam tudo o que do mundo sobre de justo, perfeito, casto, as orações, os prantos, os ideais, e estendiam-se por todo o céu, unidas e imensas - para Deus passar por cima!

E então à porta da varanda houve uma risada metálica, imensa e sonora. Eles ergueram-se resplandecentes, puros, vestidos de graça. À porta estava o pai de Maria, hirto, gordo, sinistro. Atrás, o homem de palidez de mármore balançava vaidosamente a pluma escarlate da gorra. O pajem ria, fazendo uma claridade na sombra.

O pai lentamente foi para Jusel e disse, com escárnio:

- Onde queres ser enforcado, vilão?

- Pai, pai! - E Maria, aflita, com uma convulsão de lágrimas, enlaçava o corpo do velho. - Não. É meu marido, casamos as almas. Olhe, ali está. Veja! Ali, na imagem!

- O quê?

- Ali, no peito, veja. Os nossos nomes enlaçados. É meu marido. Só me quer bem. Mas seja, sobre o peito de Jesus, no lugar do coração. Mesmo sobre o coração. E ele, o doce Jesus, deixou que lhe fizessem mais esta ferida!

O velho olhava as letras como uns esponsais divinos que se tinham refugiado no seio de Cristo.

- Raspa, meu velho, que isso é marfim! - gritou o homem dos olhos negros.

O velho foi para a imagem com a faca no cinturão. Tremia. Ia arrancar as raízes daquele amor, até ao peito imaculado de Jesus!

E então a imagem, sob o justo e incorruptível olhar da luz, despregou uma das suas mãos feridas, e cobriu sobre o peito as letras desposadas.

- É ele, Rabil! - gritou o homem da flor de cacto.

O velho soluçava.

E então o homem pálido, que tocava guitarra, veio tristemente junto da imagem, enlaçou os braços dos namorados, como se vê nas velhas estampas alemãs, e disse ao pai:

- Abençoa-os, velho!

E saiu batendo rijamente nos copos da espada.

- Mas quem é? - disse o velho apavorado.

- Mais baixo! - disse o pajem da ânfora de Mileto - É o senhor Diabo... Mil desejos, meus noivos.

Pelas horas da madrugada, na estrada, o homem dos cabelos negros dizia ao pajem:

- Estou velho. Vai-se-me a vida. Sou o último dos que combateram nas estrelas. Os abutres já me apupam. É estranho: sinto nascer cá dentro, no peito, um rumor de perdão. Gostava daquela rapariga. Lindos cabelos louros, quem vos dera no tempo do céu. Já não estou para aventuras de amor. A bela Impéria diz que me vendi a Deus.

- A bela Impéria! - disse o pajem. - As mulheres! Vaidades, vaidades! As mulheres belas foram-se com os deuses belos. Hoje os homens são místicos, frades, santos, namorados, trovadores. As mulheres são feias, avaras, magras, burguesas, finadas de cilícios, com uma pouca de alma incômoda, e uma carne tão diáfana que se vê através do lodo primitivo.

- Vou achando risível a obra dos Seis Dias. As estrelas tremem de medo e de dor. A Lua é um sol fulminado. Começa a escassear o sangue pelo mundo. Eu tenho gasto o mal. Fui pródigo. Se eu no fim da vinha tinha de me entreter perdoando e consolando - para não morrer de tédio. Fica-te em paz, mundo! Sê infame, lamacento, podre, vil e imundo, e sê, todavia, um astro no céu, impostor! E todavia o homem não mudou. É o mesmo. Não viste? Aquele, para amar, feriu com uma agulheta o peito da imagem. Como nos tempos antigos, o homem não começa a gozar um bem, sem primeiro rasgar a carne a um Deus! É esta minha última aventura. Vou para o meio da Natureza, para junto do livre mar, pôr-me sossegadamente a morrer.

- Também os diabos se vão. Adeus, Satã!

- Adeus, Ganímedes!

E o homem e o pajem separaram-se na noite.

A poucos passos, o homem encontrou um cruzeiro de pedra.

- Estás também deserto - disse, olhando para a cruz. Os infames pregaram-te e voltaram-te as costas! Foste maior que eu. Sofreste calado.

E sentando-se nos degraus do cruzeiro, enquanto vinha a madrugada, afinou a guitarra e cantou no silêncio:


Quem vos desfolhou estrelas, / Dos arvoredos da luz?

E com uma risada melancólica: / Chegará o Outono ao Diabo? / Virá o Inverno a Jesus?


Fonte: www.jaymecopstein.com.br

terça-feira, 23 de março de 2010

SERÁ QUE É LONGE???

Gente juro, tem horas que tenho uma  vontadona de mandar algumas pessoas para:

A Tonga da Mironga do Kabuletê

Eu caio de bossa
Eu sou quem eu sou
Eu saio da fossa
Xingando em nagô

Você que ouve e não fala
Você que olha e não vê
Eu vou lhe dar uma pala
Você vai ter que aprender
A tonga da mironga do kabuletê
A tonga da mironga do kabuletê
A tonga da mironga do kabuletê


Você que fuma e não traga
E que não paga pra ver
Vou lhe rogar uma praga
Eu vou é mandar você
Pra tonga da mironga do kabuletê
Pra tonga da mironga do kabuletê
Pra tonga da mironga do kabuletê


Será que é longe?


Letra e Música: Vinícius de Morais e Toquinho

A DESCOBERTA - Oswald de Andrade



Seguimos nosso caminho por este mar de longo

Até a oitava da Páscoa

Topamos aves

E houvemos vista de terra

os selvagens

Mostraram-lhes uma galinha

Quase haviam medo dela

E não queriam por a mão

E depois a tomaram como espantados
primeiro chá

Depois de dançarem

Diogo Dias

Fez o salto real

as meninas da gare

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis

Com cabelos mui pretos pelas espáduas

E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas

Que de nós as muito bem olharmos

Não tínhamos nenhuma vergonha.

segunda-feira, 22 de março de 2010

OS RETRATOS - Mário Quintana

Os antigos retratos de parede

Não conseguem ficar longo tempo abstratos.

Às vezes os seus olhos te fixam, obstinados

Porque eles nunca se desumanizam de todo

Jamais te voltes pra trás de repente.

Não, não olhes agora!

O remédio é cantares cantigas loucas e sem fim…

Sem fim e sem sentido…

Dessas que a gente inventava

enganar a solidão dos caminhos sem lua.

domingo, 21 de março de 2010

PORQUE POSTEI ESTE TEXTO...

... TENDO EM VISTA A  PUBLICAÇÃO  LOGO ABAIXO.



Drummond escreveu o seguinte poema em 1976, jamais retornando a Belo Horizonte até sua morte em 1987.



"Por que não vais a Belo Horizonte? a saudade cicia e continua, branda: Volta lá.
Tudo é belo e cantante na coleção de perfumes das avenidas que levam ao amor, nos espelhos de luz e penumbra onde se projetam os puros jogos de viver.
Anda! Volta lá, volta já.
E eu respondo, carrancudo: Não.
Não voltarei para ver o que não merece ser visto, o que merece ser esquecido, se revogado não pode ser.
Não o passado cor-de-cores fantásticas, Belo Horizonte sorrindo púber e núbil sensual sem malícia, lugar de ler os clássicos e amar as artes novas, lugar muito especial pela graça do clima e pelo gosto, que não tem preço, de falar mal do Governo no lendário Bar do Ponto.
Cidade aberta aos estudantes do mundo inteiro, inclusive Alagoas, "maravilha de milhares de brilhos vidrilhos" Mario de Andrade mente celebrada.
Não, Mário, Belo Horizonte não era uma tolice como as outras. Era uma provinciana saudável, de carnes leves pesseguíneas. Era um remanso, era um remansopara fugir às partes agitadas do Brasil, sorrindo do Rio de Janeiro e de São Paulo: tão prafrentex, as duas! e nós lá: macio-amesendados na calma e na verde brisa irônica...
Esquecer, quero esquecer é a brutal Belo Horizonte que se empavona sobre o corpo crucificado da primeira. Quero não saber da traição de seus santos. Eles a protegiam, agora protegem-se a si mesmos. São José, no centro mesmo da cidade, explora estacionamento de automóveis. São José dendro clasta não deixa de pé sequer um pé-de-pau onde amarrar o burrinho numa parada no caminho do Egito. São José vai entrar feio no comércio de imóveis, vendendo seus jardins reservados a Deus. São Pedro instala supermercado. Nossa Senhora das Dores, amizade da gente na Floresta, (vi crescer sua igreja à sombra do Padre Artur) abre caderneta de poupança, lojas de acessórios para carros, papelaria, aviário, pães-de-queijo.
Terão endoidecido esses meus santos e a dolorida mãe de Deus? Ou foi em nome deles que pastores deixam de pastorear para faturar? Não escutem a voz de Jeremias (e é o Senhor que fala por sua boca de vergasta): "Eu vos introduzi numa terra fértil, e depois de lá entrardes a profanastes. Ai dos pastores que perdem e despedaçam o rebanho da minha pastagem! Eis que os visitarei para castigar a esperteza de seus desígnios".
Fujo da ignóbil visão de tendas obstruindo as alamedas do Senhor. Tento fugir da própria cidade, reconfortar-me em seu austero píncaro serrano. De lá verei uma longínqua, purificada Belo Horizonte sem escutar o rumor dos negócios abafando a litania dos fieis. Lá o imenso azul desenha ainda as mensagens de esperança nos homens pacificados - os doces mineiros que teimam em existir no caos e no tráfico. Em vão tento a escalada. Cassetetes e revólveres me barram a subida que era alegria dominical de minha gente. Proibido escalar. Proibido sentir o ar de liberdade destes cimos, proibido viver a selvagem intimidade destas pedras que se vão desfazendo em forma de dinheiro. Esta serra tem dono. Não mais a natureza a governa. Desfaz-se, com o minério, uma antiga aliança, um rito da cidade. Desiste ou leva bala. Encurralados todos, a Serra do Curral, os moradores cá embaixo. Jeremias me avisa: "Foi assolada toda a serra; de improviso derrubaram minhas tendas, abateram meus pavilhões. Vi os montes, e eis que tremiam. E todos os outeiros estremeciam. Olhei terra, e eis que estava vazia, sem nada nada nada".
Sossega minha saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor".

A CASA FOI DEMOLIDA - Déa Januzzi

Primeiro, derrubaram-lhe o telhado, depois as janelas e em seguida arrancaram suas vísceras. No fim da tarde de segunda-feira, dia 15, não havia mais nem sinal da casa que abrigou o Bar Brasil, na esquina das ruas Aimorés com Maranhão. A ordem era demolir o passado para dar lugar a mais um prédio de muitos andares, garagens e carros. Nada de história, de conversa de bar, de amigos e de “canjas” dos músicos mineiros que praticamente moravam no bar. Fiéis seguidores de Tadeu Ferreira Rodrigues, toda uma geração de jornalistas, escritores e músicos encontrou abrigo no Bar Brasil. Foram sonhos compartilhados, projetos de vida traçados e até músicas nasceram no suave tamborilar dos dedos nas mesas.

A casa foi vendida. Foi parar no chão como se fosse uma casca de ovo, sem sensações, experiências e conteúdos. Com todos os porres homéricos, com toda a embriaguez, com todas as realizações. Que os bêbados, os solitários e os sem-destino perdoem a quem se atreveu a estilhaçar tantas vidas, a pisotear os sonhos. O Bar Brasil faz parte de nossa história, está em nós como nossas inquietações, como nossos fantasmas. Ele nos permitiu exorcizar nossos demônios internos e externos, como a ditadura que já rondava o Bar Brasil, quando ainda estava instalado na Vitória Marçola, no Bairro Anchieta. Era ali que Fernando Brant montava seu front. Morador de um prédio em frente ao bar do Tadeu, que ocupava uma loja e uma garagem, Fernando recebia os amigos, compunha e ganhava o mundo.

O bar do Tadeu era uma espécie de front, retrato de uma geração, que tinha o privilégio de ver Milton Nascimento, o Bituca, cantar. Como ocorreu certa vez quando o show do Mackenzie foi cancelado e o cantor brindou todo mundo com sua voz dentro e fora do bar.

Os antigos frequentadores sabem que foi no bar do Tadeu que ocorreram as reuniões e conversas do primeiro espetáculo da nova companhia de dança que iria despontar para o mundo: o Corpo idealizou o espetáculo Maria, Maria no bar do Tadeu, que inclusive foi assistente de cenografia.

“Sou do mundo, sou Minas Gerais.” A letra da música parece descrever bem o clima instaurado no fim dos anos 1970, início de 1980. Tadeu revolucionou, foi bandeira para intelectuais que se reuniam em seus bares. Tímido, silencioso, educado, como convém a um dono de bar, Tadeu se assustou quando anunciaram o fim do Bar Brasil, na Aimorés com Maranhão. Desta vez, não iam calar a sua voz. Em questão de horas reuniu os amigos e remanescentes para uma despedida na rua, em frente ao bar, no domingo, dia 14.

Todos estavam lá para se despedir, para ouvir o depoimento emocionado de Tadeu, que transferiu o Bar Brasil para a esquina da Rua Aimorés com Maranhão em 1989 e onde permaneceu até 2003. Todos estavam lá para enterrar as lembranças debaixo dos escombros. Ela e o filho também, para a última despedida, a derradeira. Quem passar pela esquina hoje só vai sentir o sussurrar do vento e da chuva sobre as ruínas de uma casa que teve seu tombamento anunciado há 16 anos, mas que mais uma vez tombou literalmente sob os olhos e o consentimento das autoridades. A casa não existe mais.

Ninguém melhor do que o mineiro, poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, para terminar esse texto: “A casa foi vendida /com todas as lembranças/todos os móveis/todos os pesadelos/todos os pecados cometidos ou em via de cometer/a casa foi vendida com seu bater de portas/com seu vento encanado/com sua vista do mundo/seus imponderáveis/por vinte, vinte contos.”

Convocado várias vezes para denunciar a destruição do patrimônio da capital mineira, em 14 de agosto de 1976, ele fez o poema Triste horizonte, contra a decisão arbitrária da mineradora da época de proibir que os moradores da cidade visitassem a Serra do Curral. Ele também deixou registrado, nesse poema, seu espanto quando os jardins da Igreja São José se transformaram em estacionamento e a Igreja Nossa Senhora das Dores, no Bairro Floresta, cedeu espaço para o comércio. “Por que não vais a Belo Horizonte? A saudade cicia e continua, branda: Volta lá. Tudo é belo e cantante na coleção de perfumes das avenidas que levam ao amor, nos espelhos de luz e penumbra onde se projetam os puros jogos de viver. Anda! Volta lá, volta já. E eu respondo, carrancudo: Não. Não voltarei para ver o que não merece ser visto, o que merece ser esquecido, se revogado não pode ser....”. No fim do poema, ele diz: “Sossega, minha saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te meu Triste Horizonte e destroçado amor”.


Fonte  -  Jornal Estado de Minas  -  21/03/2010

quarta-feira, 17 de março de 2010

SAUDADE - José Antônio Oliveira de Resende

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre… Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro… casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite… tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança… Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam…. era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade…
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, t ambém ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos… até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail… Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!… – ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite….
Que saudade do compadre e da comadre!

(Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei)

A FERNANDO SABINO - Mário de Andrade


Fernando Tavares Sabino

"Si você quiser continuar sendo escritor, antes de mais nada tem que encurtar o nome. Tavares Sabino, Fernando Tavares, Fernando Sabino. O que é impossível é Fernando Tavares Sabino. Me desculpe esta sinceridade e entremos pelas outras.

Muita ocupação, só nesta noite de sábado pude ler os seus contos e lhe escrevo imediatamente, enquanto a impressão é nítida. Saio do seu livro com a convicção de que você é um escritor, é um artista. Não que o livro seja bom, mas é uma estréia excelente, uma estréia promissora, denunciando fartas possibilidades.

Antes de mais nada: eu achava que os estreiantes deviam pôr nos seus livros a idade que têm. Que idade tem você? Isso importa extraordinariamente nesse caso como o seu, por causa justamente das possibilidades fartas. Si você está rodeando os vinte anos, de vinte a vinte e cinco como imagino, lhe garanto que o seu caso é bem interessante, que você promete muito. E o livro, neste caso é bom. Mas si você já tem trinta ou trinta e cinco anos, já estudou muito (você parece de fato se preocupar com a expressão lingüistica) e está homem-feito, não lhe posso dar aplauso que valha. Neste caso o livro fica medíocre, sem o menor interesse. É apenas um dos muitos.

Seu livro já está muito bem escrito. Não há dúvida nenhuma que você, como bom mineiro (?) tem o sentimento da língua, como cultura e principalmente como estilo, como expressão de pensamento. E tem no que escreve um sabor brasileiro, muito firme, muito nítido e muito atilado. De extremo bom gosto. Quero dizer: você não cai em nenhum exagero de brasileirismo falso. Com um bocado mais de apuro estilístico e de conhecimento técnico da linguagem, das linguagens populares do Brasil, você chegará a ótimo, talvez grande escritor. De uma língua que já é, indiscutivelmente, nacional.

O problema, a meu ver, é tanto mais grave no caso de você que nele se intercala o da sua personalidade de ficcionista. Será você de fato um contista? Este problema é dos mais graves e dos que você precisa resolver pra si próprio. É incontestável que você não tem nenhum conto verdadeiramente forte como assunto. Cujo assunto imponha o conto por si mesmo, como Os Faroleiros, de Monteiro Lobato, como Pedro o Barqueiro, de Afonso Arinos. Não nego que sejam "contos" os contos de você, mas não parece, pelo livro, que você tenha forte imaginação criadora, grande imaginativa, excepcional faculdade de invenção.

Seus contos são leves e delicadas transposições líricas da vida, como o admirável Verdes Anos, ou irônicas transposições realísticas da vida. Estou pensando em Machado de Assis. Seus contos estão longe de ser impressionantes. Longe de prenderem a gente por uma idealidade humana definitiva qualquer. Aí é que a arte, como beleza de criação técnica, interfere definitivamente para impor e justificar um criador. Si você não fizer coisas maravilhosamente bem feitas como técnica, como estilo, como arte de escrever, como bom gosto espiritual, você será apenas "mais" um.

No gênero dos seus contos, você tem, a meu ver, descaídas lastimáveis, principalmente para o lado anedótico. Apesar das observações, excelentes, no realismo humourístico com que você esteriotipa gestos e expressões verbais, contos como As Rosas iam Murchar e o Padre Venâncio, são simples anedotas simplórias, de lastimável descontrole e nenhuma autocrítica. Mesmo o caso do telefone que, não posso negar, é muito engraçado e me fez rir bastante, é, em última análise grosseiro, tratado sem tacto, sem delicadeza, bacalhoada de Portugal com arrotos e todas as faltas de medida. Quando você tem, pra salvar seus contos na arte, de abandonar qualquer colorido mediterrâneo e se esquipar no senso de medida dos franceses, e na delicadeza espiritual de ingleses e nórdicos.

Mas ainda eu me pergunto si sua tendência é realmente para o conto e não para o romance... Pela faculdade de observação naturalista, pela riqueza de tipos psicológicos, não sei, sinto em muitos dos nossos contistas, e em você, romancistas verdadeiros, que por preguiça, por falta de tomar fôlego, erram de espécie, se dispersam no conto, quando são romancistas legítimos.

Não sei si você consegue perceber que no fundo seu livro me interessou muito. Mais você que o livro, aliás... Conforme a idade, lhe garanto que você pode ir longe. Mas não como um Jorge Amado, pouco trabalho, ignorância muita, criação de sobra. Você tem que trabalhar dia por dia. Como um Machado de Assis.

E não lhe seria possível botar um bocado mais de responsabilidade humana coletiva nas suas obras?...

Mário de Andrade"

terça-feira, 16 de março de 2010

BY FILHOTE RONALDO FRAGA

 

Se eu fosse
um pássaro eu
queria sesse um urubú,
por que ninguém nunca
ia me prender 
numa gaiola



Lindinho né? Só podia ser  idéia de uma criança feliz!

sexta-feira, 12 de março de 2010

FARRAPOS HUMANOS - Marisa Martins

As legislações tornam-se cada vez mais permissivas em relação ao usuários de drogas.

O consumo de drogas tornou-se avassalador e destruidor pelo mundo, quase sem exceções.

Mesmo locais classificados como de melhor qualidade de vida não conseguem combater o tráfico e, em consequência, aumenta o número de usuários.

Apenas para exemplificar, Sydney e Melbourne, na Austrália; Helsinque, na Finlândia; Montreal e Vancouver, no Canadá, classificadas entre as dez cidades de excelência para viver, enfrentam o problema.

Em Montreal, em passeio pela cidade, em ônibus turístico, belo e gramado parque é objeto de exclamações e fotos.

Tarde de sol, temperatura amena no verão canadense, pessoas deitadas na verde grama. Bucólico quadro.

O ônibus para alguns minutos. O motorista-guia quebra o encanto, em tom irônico: -“Aqui, eles deitam na grama e fumam a grama”... Se era para ser um gracejo, ninguém riu.
Dias antes, em Vancouver, o contato próximo com cenas de jovens sob efeitos de drogas causou perplexidade e tristeza.

Manhã de sábado. Antigo bairro de Gastown. Jovem magérrima caminha trôpega pela calçada. Agita braços e mãos, escabela-se, como se quisesse afastar seres invisíveis que a atacam. Cai. Tenta levantar. Cai outra vez. Sangue escorre pelas pernas. Acorre rapaz, também cambaleante, olhos injetados, saído de um porão. Desaparecem na multidão, amparando-se.

Senhor, vendo o espanto dos brasileiros, comenta que Vancouver é muito segura, sem violência. “Há os que abusam de drogas pesadas. Mas não fazem mal a ninguém,” conclui.

Mais tarde, em movimentada avenida, outra perturbadora cena.

Aproxima-se garota com longos e desgrenhados cabelos loiros, de preto, curta saia, botas de saltos altos e finos. Carrega sobre um ombro velha sacola de plástico, não condizente com as roupas. As pernas finas parecem não sustentar o peso do corpo. Os saltos entortam.

Sacode a cabeça, como se visse fantasmas, fala sozinha. Encosta-se numa parede por minutos. Dá alguns passos e joga o rosto contra poste.

Num último esforço, inflete para a rua, ziguezagueando entre os carros em movimento. No outro lado há espécie de comércio “compra-tudo”. Tentará ela vender o que leva na sacola, para novas alucinações?


Senti inevitável atropelamento. Carro freia a centímetros, outro consegue desviar.

Chega à calçada. Apenas vejo os cabelos loiros inclinarem-se e a sacola esfarrapada escorregar.

Do ombro de farrapo humano...

PS: As legislações tornam-se cada vez mais permissivas em relação ao usuários de drogas. Aumentam, assim, o número de traficantes. Círculo vicioso... 

Fonte: www.jaymecopstein.com.br 

segunda-feira, 8 de março de 2010

OPRAH WINFREY

Se um homem quer você, nada pode mantê-lo longe.
Se ele não te quer, nada pode fazê-lo ficar.
Pare de dar desculpas (de arranjar justificativas) para um homem e seu comportamento.

Permita que sua intuição (ou espírito) te proteja das mágoas.
Pare de tentar se modificar para uma relação que não tem que acontecer.
Mais devagar é melhor.
Nunca dedique sua vida a um homem antes que você encontre um que realmente te faz feliz.
Se uma relação terminar porque o homem não te tratou como você merecia, ”F...., mande pro inferno, esquece!”

Vocês não podem “ser amigos”. Um amigo não destrataria outro amigo.
Não conserte. Se você sente que ele está te enrolando, provavelmente é porque ele está mesmo. Não continue (a relação) porque você acha que “ele vai melhorar”.
Você vai se chatear daqui um ano por continuar a relação quando as coisas ainda não estiverem melhores. A única pessoa que você pode controlar em uma relação é você mesma.
Evite homens que têm um monte de filhos, e de um monte de mulheres diferentes. Ele não casou com elas quando elas ficaram grávidas,então, porque ele te trataria diferente? 

Sempre tenha seu próprio círculo de amizade, separadamente do dele.
Coloque limites no modo como um homem te trata. Se algo te irritar, faça um escândalo. 

Nunca deixe um homem saber de tudo. Mais tarde ele usará isso contra você.
Você não pode mudar o comportamento de um homem. A mudança vem de dentro.
Nunca o deixe sentir que ele é mais importante que você… mesmo se ele tiver um maior grau de escolaridade ou um emprego melhor.
Não o torne um semi-deus. Ele é um homem, nada além ou aquém disso.
Nunca deixe um homem definir quem você é.

Nunca pegue o homem de alguém emprestado. Se ele traiu alguém com você, ele te trairá. 
Um homem vai te tratar do jeito que você permita que ele te trate.
Todos os homens NÃO são cachorros.

Você não deve ser a única a fazer tudo…compromisso é uma via de mão dupla.
Você precisa de tempo para se cuidar entre as relações.
Não há nada mais precioso quanto viajar. Veja as suas questões antes de um novo relacionamento.
Você nunca deve olhar para alguém sentindo que a pessoa irá te completar.
Uma relação consiste de dois indivíduos completos, procure alguém que irá te complementar… não suplementar.
Namorar é bacana, mesmo se ele não for o esperado Sr. Correto.
Faça-o sentir falta de você algumas vezes… quando um homem sempre sabe
que você está lá, e que você está sempre disponível para ele, ele se
acha… 

Nunca se mude para a casa da mãe dele.
Nunca seja cúmplice (ou co-assine qualquer documento) de um homem.
Não se comprometa completamente com um homem que não te dá tudo o que você precisa. Mantenha-o em seu radar, mas conheça outros…
Compartilhe isso com outras mulheres e homens (de modo que eles saibam). Você fará alguém sorrir, outros repensarem sobre as escolhas, e outras mulheres se prepararem.

O medo de ficar sozinha faz que várias mulheres permaneçam em relações que são abusivas e lesivas.
Você deve saber que você é a melhor coisa que pode acontecer para alguém e se um homem te destrata, é ele que vai perder uma coisa boa.
Se ele ficou atraído por você à primeira vista, saiba que ele não foi o único. Todos eles estão te olhando, então você tem várias opções.
Faça a escolha certa.

CUIDEM BEM DE SEUS CORAÇÕES…

DIÁLOGO ENTRE GERAÇÕES - Déa Januzzi


Ela já nasceu com o direito de votar. Não teve que derrubar nenhuma barreira para entrar na universidade nem no mercado de trabalho. Nasceu tendo acesso à pílula anticoncepcional e dona do próprio corpo. Não precisa ser virgem para se casar ou se relacionar com outros parceiros. Nina Cerqueira Pimenta, de 26 anos, cientista social, define-se como uma pessoa livre, mas considera o Dia Internacional da Mulher, que será comemorado amanhã, 8 de março, pouco representativo para sua geração.

Certos gestos para homenagear as mulheres são considerados por Nina como supérfluos, como dar parabéns e botões de rosas nas esquinas. “Ninguém, no entanto, reflete sobre a data ou o papel da mulher de antes e de agora. Ninguém se preocupa com o que queremos conquistar ou quais são os desafios do futuro. Ninguém para um pouquinho para pensar que as mulheres da minha idade estão muito confusas, apesar de todas as vitórias”, desabafa.

Ela lembra que a sociedade brasileira ainda espera da mulher que seja esposa e mãe. “A mulher tem que ser feminina, bonita, corpo esguio, para se casar, ter filhos ou, então, virar macho, falar grosso, competir, derrubar, para conseguir um lugar de destaque na profissão. O feminismo no Brasil não se deu por um ideal. As mudanças foram acontecendo sem o verdadeiro sentido da luta por direitos”, explica.

Algumas mulheres da idade de Nina, inclusive, não sabem para que e por que comemorar uma data dedicada às mulheres. Muito menos que há 100 anos – 1910 – foi instituído o 8 de março como Dia Internacional das Mulher, para lembrar as operárias de uma fábrica de tecidos, em Nova York, que fizeram uma grande greve por melhores condições de trabalho, mas foram reprimidas com violência. Elas foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada.

Para saber mais sobre essa data, o caderno Bem Viver ouviu a opinião de mulheres de outras gerações, que fizeram e fazem parte da história. Como Neuza Huebra de Souza Netto, de 84 anos, que se casou virgem aos 17 anos e 8 meses, se dedicou ao marido por 60 anos sem nunca ter olhado para outro homem. Ela nunca trabalhou fora e só conheceu a pílula anticoncepcional depois de ter seu quinto filho.

Como outras velhas combatentes de sua geração, a socióloga e escritora Rosiska Darcy de Oliveira, de 60, sabe muito bem o significado da data. “Eu era professora da PUC Rio, quando uma aluna pediu que um dia explicasse para ela o que foi esse negócio de feminismo.” Rosiska fez mais do que isso. Pediu à aluna que sentasse num bar com uma amiga para tomar um chope e que, nessa hora, fizessem um brinde a ela. “Estava com 19 anos, como você, quando eu e uma amiga saímos arrastadas das cadeiras para fora de um bar em Copacabana. Naquela época, duas mulheres sentadas num bar, sem uma companhia masculina, deveriam ser expulsas do estabelecimento.”

A antropóloga e escritora Mirian Goldenberg, de 54 anos, faz questão, nesta data, de lembrar Leila Diniz, símbolo da revolução comportamental dos anos 1960. Como Leila Diniz, Nina, de 26, Rosiska, de 60, Mirian, de 54, e Neuza, de 84, e ou- tras anônimas ajudaram e estão ajudando a construir a história das mulheres no Brasil.

Fonte: Estado de Minas 07/03/2010

domingo, 7 de março de 2010

EU HOJE ESTOU MUITO:

... mau humorada,                                                                                                                    



... triste,






chorona.








Então, resolví e,

                                                 
                                             fui, até!

CONTO DE FADAS ÀS AVESSAS - Déa Januzzi

Como nos contos de fada, estou dentro de um castelo, rodeado por um fosso com água por todos os lados. A ponte levadiça é a única passagem possível entre o castelo e o mundo lá fora. Dentro do castelo, no entanto, tenho quase tudo, mas preciso sair para fazer a provisão diária, para trabalhar, para ver os amigos.

Perto deste castelo, no alto do Bairro Serra, em Belo Horizonte/MG  não tem recurso nenhum: nem padaria, lanchonete, farmácia ou supermercado. Só há vendinhas fincadas no alto do morro, que hoje chamam de aglomerado. Perto desse castelo não há condução, nenhum transporte possível, a não ser a pé ou de carro. Como não sei dirigir, tenho que descer o morro a pé, mas, às vezes, a ponte levadiça quebra, como se fosse uma casca de ovo, e eu fico lá na janela observando a conversa de mães que levam e trazem os filhos para a creche todos os dias.

Hoje, por exemplo, está chovendo muito e a ponte levadiça está perigosa. Não sei se vocês me entendem, mas pago caro para morar neste castelo, em pleno século 21. A fala de uma das mães me chama a atenção, no meio de uma chuva insistente: “Não vejo um pai carregando filho em dia de chuva”.

A fala dela é um lamento profundo, enquanto a filha de 3 anos se agarra à sua perna como um polvo e o bebê no colo dela grita a plenos pulmões, apesar de estar mais protegido pela sombrinha.

Neste castelo contemporâneo, onde moro de aluguel e pago caro por ele, ouço o ir e vir de mulheres que são obrigadas a ser fortes, no vaivém de seus dias, subindo e descendo o morro com filhos, sacolas e outros pesos da vida no colo. Elas não têm outra escolha, porque estão sós na tarefa de ser mulher e mãe. Não há chance para elas que não têm outras possibilidades.

Mas, por que então escolhi me esconder dentro de um castelo, com playground para um filho já adulto? Por que não pensei em mim na hora de escolher um lugar para morar?

Dentro dessa espécie de castelo contemporâneo fico sozinha quase sempre. Mesmo se quiser sair à noite para encontrar os amigos tenho que chamar um táxi, que demora tanto a chegar que parece até uma carruagem. Acostumada a ter tudo por perto, não consigo mais nem encontrar os amigos depois que me mudei para esse castelo fincado no alto do Bairro Serra.

Como todas as construções antigas, o castelo tem goteiras por todos os lados quando chove e até a piscina, a sauna e a churrasqueira começaram a dar defeito pelo não uso. Pergunto-me por que foi que escolhi morar num castelo medieval nos dias de hoje? Um castelo que não permite nem mesmo se comunicar por celular, que não pega de jeito nenhum. Posso andar a casa inteira que não encontro sinal. Resultado: a conta do telefone fixo subiu a uma altura inimaginável e impagável.

Sem ponte levadiça, estou presa dentro de mim mesma. Não adianta gritar nem pedir socorro, porque os transeuntes dessa rua têm mais precisão do que eu. Seus gritos são verdadeiros. São gritos de urgência e de falta, enquanto me pergunto sobre o porquê de meus constantes excessos que hoje me levam à escassez contínua.

Preciso jogar minhas tranças e fugir desse castelo que começa a assombrar minha vida. Desde que me mudei para este castelo, ouço tiros na madrugada, o espoucar de fogos de artifício, ouço os gritos de dor e vejo frequentemente a luta dessas mulheres, que carregam sozinhas a cruz de seus dias. Elas sobem o morro debaixo da chuva torrencial com pencas de filhos que não cabem todos debaixo das sombrinhas. E eu fico aqui, no parapeito da janela, a pensar na minha própria vida, que também não é nada fácil, mas que pelo menos tenho oportunidade de escolha.

Por que é mesmo que vim morar neste castelo? Pergunto-me todos os dias. Já decidi que quero sair daqui, mas me esqueço de que estou em 2010 e tenho um contrato a cumprir, com imobiliária, advogados, Lei do Inquilinato e um tanto de amarras que me impedem de sair correndo, mesmo sem ponte nem ônibus nem sei o que mais.

Não sei por que vim morar neste castelo que está me assombrando os dias e me impede de ir e vir. Mesmo que hoje eu possa mudar o fim dessa história de contos de fada, tenho que me lembrar que estou acordada e que nenhum príncipe encantado vem para me salvar de mim mesma.

Fonte: Estado de Minas 07/03/2010

PRELÚDIO PARA NINAR GENTE GRANDE ( menino passarinho) - Luiz Vieira

MÃE:

  
Quando estou nos braços teus
Sinto o mundo bocejar
Quando estás nos braços meus
Sinto a vida descansar.


No calor do teu carinho
Sou menina-passarinho
Com vontade de voar
Sou menina-passarinho
Com vontade de voar.

quinta-feira, 4 de março de 2010

MEXE, REMEXE, ESPANTE FANTASMAS - Marli Gonçalves




Andei remexendo numas fotos. Aliás, nos últimos meses tenho remexido em muitas coisas, daquelas que vão acompanhando a vida da gente, ali, naquele cantinho, esperando um dia serem resolvidas, ou removidas de vez. Pode procurar que você também tem. Sempre quietas, sorrateiras, essas coisas, pegajosas e recorrentes, parecem estar sempre por perto, à espreita, nos investigando, nos atrapalhando. Elas ficam ali, espiãs, vendo se realmente é verdade o que andamos dizendo, que a superamos, que nem pensamos mais, isso ou aquilo. Essa coisa fica que nem cupim comendo madeira, igual a pernilongo no quarto em noite de calor, com aquele zumbido insuportável de “estou por perto”. Uma sensação de sombra, e que ocupa espaço. Muito espaço. Um camelo na sala.

É uma sensação muito estranha reagir contra esse intruso que em geral se manifesta por meio de pensamentos frequentes ou por ouvir uma música, talvez uma frase já ouvida em outra voz. Pode vir de um aroma. Pode vir de uma repetição, um déjà vu.

Fazemos de tudo para soterrar. Caixas, gavetas, fundos de armários, são os esconderijos prediletos desses monstrinhos. Tentamos não pensar muito nesses casos, até porque sempre há medo envolvido. Na reação, quem vai ganhar? Lembranças fazem chorar. Lembranças fazem sofrer.

Mas lembranças também ajudam a resolver o futuro, dar um passo adiante. Exorcizar.

Há muito não mexia em coisas guardadas, obrigação que agora tenho, embora muito lenta justamente por pensar demais, e para poder iniciar e organizar uma mudança de casa. Não é só por isso, mas muita coisa – inclusive voltar a escrever - tem me feito dar uma viajada no passado, no que foi vivido, em algumas experiências e períodos. Mais claramente no resgate do passado que é o que você acaba fazendo quando mexe em guardados, sejam eles físicos, ou apenas mentais, as tais lembranças. Fotos, filmes, imagens são mais rápidas no tiro – ativam as memórias daquele click. Você olha e se vê ali, estivesse na frente ou atrás da câmera. Você viveu aquilo. E é muito louco ver ou o que era importante e hoje não é nada, ou algo para o qual não tinha dado bola e hoje, ah, hoje, seria diferente, diferente demais.

Cartas! Bilhetes de amor que haviam sido pregados na porta da geladeira em manhãs preguiçosas, largados sobre o travesseiro. Bilhetes que acompanharam presentes – capaz do presente não existir mais, e nem ser lembrado, mas o bilhete cuidadosamente guardado existe e refaz a história. Quantas juras, quantos pedidos de desculpas, quantas pequenas alegrias e, também, hoje dá para saber, quantas mentiras! (Sim, porque anos depois tudo faz mais sentido e se encaixa). Depois ninguém entende por que a gente vai amadurecendo e ficando cético e mais cauteloso. Quando a gente vai embora daqui, morre, quem vai mexer nessas coisas e entendê-las tão bem?

E o armário? E as roupas? Mexer em roupas guardadas! Pega! O espião estava lá, escondido entre suas coisas, e você pensando que tudo estava resolvido. Aquela camiseta velha, ainda com cheiro daquela pessoa, misturada com a sua, lá no fundo da gaveta. Aquele par de meias emboladinhas. Será por isso que certas lembranças teimam em nos assombrar?

Então, é isso. É preciso de tempos em tempos resgatar o passado. O que do passado? As coisas boas, as imagens, mas há de se encarar e se confrontar também com o que você até hoje traz de mal resolvido, de inacabado. Talvez essas devam ser as primeiras na lista desta que vira uma verdadeira (e dolorosa) faxina espiritual, muito além do que qualquer Feng Shui poderia tornar possível. Pode acontecer na sua vida a qualquer hora, mas sempre acontece quando mexemos e remexemos nossas casas e vidas. Um passo para o futuro, que te leva para o passado. Sabia que Feng Shui é um termo de origem chinesa, traduzido literalmente como “Vento” e “Água”; os ideogramas Feng e Shui (respectivamente Vento - yang - e Água - yin -) representam o conhecimento das forças necessárias para conservar as influências positivas que supostamente estariam presentes em um espaço? E redirecionar as negativas, de modo que elas - mesmo estas negativas - possam ser usadas em benefício. Faz sentido.

Sobre isso é que estou falando. Amigos, não falo só de amores e paixões. Falo de forma geral do que guardamos para resolver depois, do que ficou naquele cantinho. A briga e a conversa difícil com alguém da família, com um irmão. Valeu a pena vocês romperem? Aquele que era, sim, seu amigo, mas você nunca o perdoou porque ele esqueceu uma data ou tratou mal uma namorada sua. E não é que ele tinha razão, e você nunca mais o procurou para dizer isso, com a alma aberta? Valeu a pena? O que teria acontecido se naquele dia você...

E aquele antigo companheiro de trabalho? Nem era tão amigo, mas pensa bem que você nunca perdoou a si próprio porque precisou, digamos, “ultrapassá-lo”, para subir um pontinho na empresa. Valeu? Hoje você sabe que não.

Sem culpa. Apenas pensar, lembrar, mexer, remexer, muitas vezes já resolve. E você pode se “auto-absolver”, com ou sem penitência. Apenas entender melhor o que foi que aconteceu. Porque perdeu a paciência. Há de conseguir achar qual foi o momento em que você errou, parou, desanimou, jogou a toalha. Quando o vaso quebrou, o encanto sumiu, caiu a gota d`água, o cálice transbordou. Porque naquele dia você foi embora. Ou porque não teve coragem de declarar-se, e perdeu uma grande chance.

Tomara que este confessionário particular ajude. Não é fácil e pode mesmo ser aterrorizante, até tenebroso descobrir que tantas coisas, fatos, pessoas, sonhos e certezas ficaram para trás, o que aconteceu, o que não aconteceu, o que poderia ter sido determinante. Seja qual for o veredicto que dará a si próprio, foi a sua vida. Foi um click, igual a uma foto. Essa é a sua experiência pessoal, e o que pode ter lhe trazido desilusão, perda de confiança, dificuldade de amar ou se relacionar.

O tempo não volta. O passado não volta. De jeito nenhum. Não precisa nem se preocupar. Completo, nunca mais. Perceba como já vêm faltando pedaços a cada vez que aparece, envelhecendo ele próprio. Que pelo menos ele envelheça dignamente. A gente pode ajudar nisso, e se sentir muito melhor, bem mais leve, pelo menos.
 

Fonte:  www.jaymecopstein.com.br

terça-feira, 2 de março de 2010

FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

Que Deus não permita que eu perca o ROMANTISMO,
mesmo eu sabendo que as rosas não falam.

Que eu não perca o OTIMISMO,
mesmo sabendo que o futuro que nos espera não é assim tão alegre

Que eu não perca a VONTADE DE VIVER,
mesmo sabendo que a vida é, em muitos momentos, dolorosa...

Que eu não perca a vontade de TER GRANDES AMIGOS,
mesmo sabendo que, com as voltas do mundo,
eles acabam indo embora de nossas vidas...

Que eu não perca a vontade de AJUDAR AS PESSOAS,
mesmo sabendo que muitas delas são incapazes de ver,
reconhecer e retribuir esta ajuda.

Que eu não perca o EQUILÍBRIO,
mesmo sabendo que inúmeras forças querem que eu caia

Que eu não perca a VONTADE DE AMAR,
mesmo sabendo que a pessoa que eu mais amo,
pode não sentir o mesmo sentimento por mim...

Que eu não perca a LUZ e o BRILHO NO OLHAR,
mesmo sabendo que muitas coisas que verei no mundo,
escurecerão meus olhos...

Que eu não perca a GARRA,
mesmo sabendo que a derrota e a perda
são dois adversários extremamente perigosos.

Que eu não perca a RAZÃO,
mesmo sabendo que as tentações da vida são inúmeras e deliciosas.

Que eu não perca o SENTIMENTO DE JUSTIÇA,
mesmo sabendo que o prejudicado possa ser eu.

Que eu não perca o meu FORTE ABRAÇO,
mesmo sabendo que um dia meus braços estarão fracos...

Que eu não perca a BELEZA E A ALEGRIA DE VER,
mesmo sabendo que muitas lágrimas brotarão dos meus olhos
e escorrerão por minha alma...

Que eu não perca o AMOR POR MINHA FAMÍLIA,
mesmo sabendo que ela muitas vezes me exigiria
esforços incríveis para manter a sua harmonia.

Que eu não perca a vontade de DOAR ESTE ENORME AMOR
que existe em meu coração,
mesmo sabendo que muitas vezes ele será submetido e até rejeitado.

Que eu não perca a vontade de SER GRANDE,
mesmo sabendo que o mundo é pequeno...

E acima de tudo...

Que eu jamais me esqueça que Deus me ama infinitamente,
que um pequeno grão de alegria e esperança dentro de cada um
é capaz de mudar e transformar qualquer coisa, pois....

A VIDA É CONSTRUÍDA NOS SONHOS
E CONCRETIZADA NO AMOR!


Amorosamente,

Francisco Cândido Xavier